Jornalista conta os bastidores daquele trágico 1º de maio de 1994
15 de dezembro de 2009
Flavio Gomes
Flavio Gomes
Revista Brasileiros
Em 1º de maio de 1994, o Brasil perdeu Ayrton Senna. Para relembrar o trágico dia em Imola, na Itália, o jornalista Flavio Gomes, especializado em automobilismo e que na época estava no jornal Folha de S. Paulo, escreveu um texto os confusos dias da morte de um ídolo brasileiro.
Arte: Chris Beas
O texto abaixo carrega todos os defeitos da juventude.
Escrevi há quase 15 anos, meses depois da morte de Ayrton Senna. Eu era um dos
jornalistas brasileiros que estavam em Imola no dia 1º de maio de 1994. Foi a
maior tragédia do esporte nacional, maior até do que a perda da Copa do Mundo
de 1950 – ninguém morreu no Maracanã por causa daquela derrota, que se saiba. A
perda do ídolo (e do objeto da notícia, falando friamente, embora tenha sido
difícil ser frio naqueles dias) embaralhou corações e mentes.
Aos 29 anos, eu era
correspondente de F-1 da Folha de S.Paulo, depois de ter sido editor de
Esportes do jornal mui precocemente, aos 24. Aos 29 anos, a gente acha que sabe
tudo. Não sabe de nada. Ninguém estava preparado para aquela morte, do jeito
que ela aconteceu. Antes mesmo de voltar ao Brasil, me demiti do jornal. A vida
tomou outros rumos, embora quase sempre ligados ao automobilismo e à
velocidade, e seguiu quase incólume. Fui rabiscar estas linhas a pedido de um
estudante de jornalismo de uma faculdade de Santa Catarina. Foi a primeira (e
única) vez que escrevi sobre a morte de Senna para contar o que vi e o que se
passou naquele fim de semana frio e ensolarado no norte da Itália. Quinze anos
depois, acho que não mudaria uma vírgula. Deixaria inclusive os defeitos da
juventude. Que, afinal, não eram tão grandes assim.
Há nove meses ensaio a
abertura deste texto. Por uma série de circunstâncias eu, o enviado especial do
maior jornal do País que estava lá, em Imola, naquele dia, nunca escrevi sobre
a morte de Ayrton Senna. De certa forma, sou um privilegiado. Não caí na vala
comum. Não elaborei teorias. Não filosofei em público. Fui demitido antes.
Estou isento. Ninguém pode me acusar de omissão.
‘È morto’, assim imaginei a
primeira frase. Abrir com aspas, desde que seja uma declaração forte,
importante, decisiva. É o que ensinam alguns manuais de redação. ‘È morto.’
Estávamos parados na fila do pedágio, na entrada de Bolonha, no carro que eu
aluguei. Um Fiat Punto vinho metálico, sem rádio. Eu dirigia. Ao meu lado,
Mario Andrada e Silva, do Jornal do Brasil. Meu partner, o cara que
começou no jornalismo comigo, naFolha, em 88. Eu editor-assistente, ele um
ex-economista que resolveu virar jornalista, o sujeito que mais conhece Fórmula
1 no Brasil. Foi meu repórter, eu editor, depois trocamos as funções, mais
adiante viramos concorrentes.
‘È morto.’ Sem rádio no
carro, eu e o Mario vivíamos momentos de uma agonia indescritível. Saímos de
Imola logo depois da corrida, direto para o Hospital Maggiore de Bolonha. No
meio de um congestionamento monstruoso, a falta de notícias dava nos nervos.
Sabíamos que ele ia morrer, arriscávamos até que já estava morto quando entrou
naquele helicóptero. Mario dormiu no caminho. Era seu jeito de enfrentar a
tensão. Eu, agitado, procurava algum jeito de fugir daquele mar de carros. Não dava.
No pedágio, pedi a ele que perguntasse ao carinha do carro ao lado se havia
alguma notícia sobre Senna. ‘È morto’, respondeu o rapaz. Eram quase sete da
noite. Comecei a tremer. Enquanto pegava as moedas no console, repetia ‘puta
que pariu, puta que pariu, puta que pariu’.
É horrível admitir que minha
primeira reação tinha a ver com o que me esperava nas próximas horas. De uma
maneira ridícula, esqueci qualquer tipo de sentimento para me envolver com a
cobertura. Não me venham com o papo furado de que fiz o que qualquer bom
jornalista teria que fazer. É balela. Preferia ter chorado. Puta que pariu,
puta que pariu. A gente não sabia onde ficava o Maggiore. Seguimos as placas e
achamos. Descemos do carro correndo, como se fosse possível registrar os últimos
suspiros do Ayrton, como se ele estivesse nos esperando para morrer.
Não gosto de lembrar, e
provavelmente vou rechear estas linhas de clichês, coisas como ‘parece que foi
ontem’. Mas parece mesmo. É indiscutível que essa foi a cobertura da minha
vida, que jamais vou passar por coisa parecida. Por isso é natural lembrar de
tantos detalhes com tamanha precisão. Fiz questão de guardá-los. Senti que
poderia ser a última corrida da minha vida. Era preciso preservá-la.
Imola, sábado à noite. Saio
do autódromo com uma sensação esquisita. Nunca tinha visto ninguém morrer ao
vivo, perto de mim. Dou carona a uma jornalista alemã, Karen, que estava
hospedada num hotel ao lado do nosso, em Riolo Terme – uma cidadezinha a 15 quilômetros do
circuito. Ela chorava feito doida. Ratzenberger era seu amigo. Karen se
envolvia demais com os pilotos. No caminho, exercitando um desconhecido inglês
sentimental, tentava estancar aquela choradeira com as bobagens de sempre:
acontece, esse negócio é perigoso, a Fórmula 1 precisa rever seus conceitos,
calma, a gente tá vivo ainda, porra.
Não saímos para jantar.
Estávamos no quarto eu, Mario e o Marcelo D’Angelo, da Rádio Eldorado. No
mesmo andar, Lemyr Martins e Alex Ruffo, da Quatro Rodas. Cansados, fomos
direto para a cama. O fim de semana vinha sendo desgastante. Na sexta, o
acidente de Rubinho. Para piorar, um furgão da Williams atropelou a mala onde
eu levava meu computador, na saída do autódromo. Foi uma aventura fazê-lo
funcionar à noite. No sábado, morre um cara. Chega. Acaba logo antes que piore.
Como sempre, eu, Mario e
Marcelo acordamos tarde no domingo. Um cappuccino urgente e pista.
Duas horas antes da largada, cada um em seu posto. Os dois na cabine da Eldorado.
Eu, na da Jovem Pan, onde era comentarista. Em Imola, as cabines de rádio
ficam em containers sobre o terraço do edifício dos boxes. No andar
logo abaixo fica a sala de imprensa. É muito ruim para transmitir. Locutores e
comentaristas só têm à disposição dois monitores: um com as imagens da TV e
outro com os tempos. O ar-condicionado não funciona direito e não há janelas.
Logo na largada, uma batida
feia de Pedro Lamy em J.J. Lehto. Um sinal, talvez. Quando Ayrton bateu, berrei
‘Senna!’ no microfone. Apesar dos precedentes, não era para morrer. Caramba, o
cara mexeu a cabeça! Não, não ia morrer. Mas percebi que havia algo de errado
quando os comissários de pista chegaram ao carro e se mantiveram à distância. A
partir daquele momento, a correria atrás de informações era frenética. Eram
9h13 quando Senna bateu na Tamburello. Subi e desci as escadas atrás de
notícias uma dezena de vezes. Na segunda, terceira, sei lá, passei pela cabine
da Globo. Galvão Bueno me perguntou se eu sabia de alguma coisa. Idiota,
respondi que a orrida iria recomeçar, como se aquela fosse a informação mais
importante do momento. ‘Eu quero saber se ele está vivo, porra!’, me disse o
Galvão. Foi até gentil demais.
Soube que Ayrton estava morto
– ou que, se não estava, não tinha mais volta e morreria a qualquer momento –
ainda no autódromo, pelas informações que chegavam de Bolonha por telefone,
transmitidas por repórteres italianos que haviam corrido para o hospital.
Tivera paradas respiratórias e morte cerebral. Mas eram informações
desencontradas e não-oficiais. A corrida não tinha terminado, e relutei em
matar Senna antes da hora, no ar. No corre-corre, entre a cabine e a sala de
imprensa, liguei para a redação do jornal. Não havia ninguém. Só consegui falar
com meu editor por volta das 11h, horário de Brasília, no final do GP. ‘Pode se
preparar para o pior’, disse. ‘O cara morreu.’ Ouvi, do outro lado da linha,
que iríamos fazer um caderno de oito páginas. Ok, ok, estou indo para o
hospital.
‘È morto.’ Quando entrei no
saguão do Maggiore, a primeira pessoa que vi foi o Luiz Roberto, da RádioGlobo/CBN,
de São Paulo. Com um celular, me colocou no ar, ao vivo. Não sabia direito o
que dizer. Fazia meia hora que Senna tinha morrido e eu ainda não tinha me dado
conta do tamanho da notícia. Procurei ser sensato. Disse que estava chocado e
que o Brasil perdera um grande esportista. Muito original. A cabeça estava em
outra. Quem ouviu a Adriane? E a família? E a Xuxa? E o presidente? Pela
primeira vez, em oito anos de Folha, sentia que a edição fugia do meu
controle. Maldito vício, esse de repórter que já foi editor querer editar tudo
à distância. À minha esquerda, Nílson César, o locutor da Pan, me chama
para uma entrada ao vivo também pelo telefone. No aparelho ao lado, Cândido
Garcia, da Bandeirantes, faz o mesmo. Ameaço chorar quando ele se refere
ao Mario, ‘seu grande amigo’, que disse não sei o quê. Naquele momento, naquele
exato momento, caí na real. Percebi que uma fase da minha vida, das nossas
vidas, tinha chegado ao fim. ‘Meu grande amigo’ Mario. Será que voltaríamos a
nos ver uma vez a cada 15 dias, cada vez num país diferente, eu filando seu
Marlboro Menthol Lights, ele usando meu shampoo?
É gozado esse egoísmo que
tomou conta de mim. Pensava na minha vida, na minha carreira, na família que a
gente formava e que nunca mais seria a mesma. Fim, fim. Não chorei e fiz um
discurso indignado, algo do tipo ‘meu jornal me manda aqui para cobrir um
evento esportivo e eu sou obrigado a relatar uma carnificina’. Cara, quanta
bobagem.
Ficamos no hospital até as
21h30, quando, no 12º andar, vi uma maca passar à minha frente, com um corpo
coberto por um lençol. Subi num banco para poder enxergar melhor. Abracei o
Galvão. Abracei a Betise, assessora de imprensa do Senna. Não derramei uma
lágrima. Precisava falar com o jornal, urgente.
Não havia mais nada a fazer no
Maggiore. Tinha a hora da morte, 18h42, o comunicado da médica-chefe do Centro
de Reanimação do hospital, vi as pessoas chorando no saguão, sabia o que tinha
acontecido com Senna. Voltamos para o autódromo. Era hora de escrever. Jamais
havia imaginado que um dia escreveria sobre a morte daquele sujeito. Antes,
liguei para o jornal. ‘Temos isso, temos aquilo, temos fulano?’, falava, sem
parar. Meu editor tentou me tranquilizar. ‘Se precisar, a gente faz tudo
daqui.’ E reiterou: ‘Nada de emoção nos textos’. Fiquei puto. Como, a gente faz
tudo daqui? Claro que vou escrever sem emoção! Mas quero um espaço para um
texto em primeira pessoa. Vamos ver, vamos ver. Quando cheguei de volta a
Imola, me informaram que não precisava de texto na primeira pessoa.
Havia poucas pessoas na sala
de imprensa. Eu, Mario, Celso Itiberê, de O Globo, a Karen desesperada,
alguns ingleses e japoneses. Poucos italianos, já que era 1º de maio e a
maioria dos jornais não circulou no dia seguinte. Liguei meu velho Toshiba
T1000 e o lead, surpreendentemente, saiu fácil. Tinha usado o ideal no dia
anterior: ‘A Fórmula 1 matou ontem o austríaco Roland Ratzenberger…’ Era bom.
Mas decidi escrever o texto mais gelado e despido de emoções da minha vida. Nem
precisava. Há certos fatos que falam por si só. Dane-se o que o jornalista
pensa. Resolvi usar uma construção inédita do meu repertório: ‘O brasileiro
Ayrton Senna da Silva’. O brasileiro. Nunca tinha chamado Senna de ‘o
brasileiro’. ‘O brasileiro Ayrton Senna da Silva, piloto profissional de
Fórmula 1, morreu ontem…’ Ficou legal.
Escrevi rápido. Cinco ou seis
matérias. A Williams, a suspensão, o hospital, a pista, essas coisas. Quando
terminei de transmitir tudo, me veio uma sensação horrível de trabalho
malfeito. Aquela coisa de não interferir na edição. Cheguei a escrever um recado
emocionado aos colegas da redação que ajudaram naquele dia, que tiveram suas
folgas cassadas, que colaboraram na elaboração de um produto bom num episódio
tão trágico. Meu drama interior era um só: não fiz nada que os outros não
tenham feito. E o resultado da edição do dia seguinte dependia muito mais de
quem estava em São Paulo do que de mim. Ninguém nunca leu esse recado, que está
guardado num disquete em casa ao lado da caneta que eu usei para minhas
anotações naquele domingo. Uma caneta que eu achei na sala de imprensa de Aida,
com a ponta mordida. Ninguém leu porque o texto não chegou a ser transmitido. A
linha caiu, deu ocupado, sei lá. Desisti.
Os dias seguintes foram
piores que o domingo. Na segunda-feira, fomos cedo para o Instituto Médico
Legal de Bolonha, sempre eu, Mario e Marcelo. Tinha gente para todos os lados e
nenhuma notícia. Às 8 horas de Brasília, 13 horas na Itália, falei com meu
pauteiro de um telefone público num bar. Não tinha muito a dizer, daria retorno
mais tarde, e ele me avisou que alguém na redação queria falar comigo antes de
eu desligar. Era uma moça, Cleusa Turra, secretária-assistente de redação.
Pensei o pior. Vão querer que eu entreviste o caixão, o muro, essas coisas
da Folha. Caí do cavalo. Cleusa queria saber apenas se eu estava legal. Me
emocionei pela segunda vez. Não esperava nada muito humano do jornal. Estou
legal, respondi.
Foi um dia fraco de notícias,
cheio de desencontros e alarmes falsos. A Folha enviara um fotógrafo
para Bolonha, o Pisco Del Gaiso, hoje na Placar. Só o vi no IML. Perdemos
o contato depois. No fim da tarde, nos transferimos de mala e cuia para o
Novotel de Bolonha, onde estava instalado o QG da diplomacia brasileira que
iria cuidar da transferência do corpo no dia seguinte. Alguns colegas voltaram
ao Brasil na segunda à noite, no mesmo vôo que levou o irmão de Senna,
Leonardo. Os que ficaram viraram atração; só eu fui entrevistado por uma rádio
italiana e uma TV alemã. À noite, liguei para o jornal. ‘Chegou tudo?’,
perguntei. Sim, chegou. Eram 22 horas aqui, 3 horas de terça-feira lá. Fulana
quer falar com você. Era a secretária de redação do jornal, uma figura que
raramente me cumprimentava na redação. Vinha bomba, com certeza. Resumo da
nossa conversa, um tanto quanto áspera: nossa avaliação (deles) é de que O
Globo saiu melhor, blá-blá-blá. E achamos que você deveria ter ido para o
hospital na hora do acidente. Por que não foi? Porque achei que não deveria
ficar uma hora no escuro, sem informações, sabendo que ele poderia morrer a
qualquer momento. Não foi por causa da rádio?, insinuou a secretária. Ali
percebi que meus dias na Folhaestavam contados. Inventaram uma desculpa
para me implodir.
Na terça-feira, irritado com
a insinuação da véspera, alguns quilos mais magro (não dava tempo de comer direito
e faltava apetite, essa é a verdade), vivi novos momentos de emoção. O corpo
embarcou no fim da tarde num avião da Força Aérea Italiana, em Bolonha. Não vi
a decolagem. Estava falando com o jornal. Na mesma hora, a maioria dos
jornalistas brasileiros embarcou para Paris, de onde voltariam a São Paulo no
mesmo vôo do caixão. Me senti só. Ficamos eu e o Mario em Bolonha. O resto foi
embora. Foi nessa terça-feira que consegui minha melhor matéria. Uma
ex-namorada, de 13 anos antes, quando eu ainda morava no interior, era legista
no IML de Bolonha. Consegui encontrá-la. Brigou comigo, depois de tantos anos,
porque eu não a procurei antes. ‘Eu te mostrava o corpo!’, me disse, num
português bastante razoável. Foi até meu hotel e me deu uma longa entrevista.
Descreveu a cabeça de Senna, contou que colocou uma rosa na sua mão antes de
fecharem o caixão, falou sobre os legistas, seus professores. E me revelou que
o laudo iria concluir que ele morreu na pista. Foi uma grande matéria. Minha
última na Folha, manchete do jornal no dia seguinte, 4 de maio.
Naquela noite, no mesmo
horário, três da manhã, liguei para a redação para avisar que estaria voltando
no dia seguinte. A secretária de redação queria falar comigo de novo. Dois
assuntos: 1) você não pode mais colaborar com a rádio; 2) decidimos que você
vai ficar na Itália acompanhando o inquérito. Como acompanhar o inquérito? Isso
vai levar meses! Pela primeira vez na minha vida, gritei com alguém no
telefone. Queria voltar. Tinha motivos de sobra para isso. Primeiro, os
jornalísticos: havia o velório, o enterro, todos os pilotos estariam no Brasil,
eu precisava cobrir essa merda! Além do mais, um inquérito policial é um
negócio que demora muito tempo. Não vou descobrir um assassino para o Senna,
argumentei. Todo mundo já foi embora. ‘A Folha não é todo mundo’,
ouvi. Seguiu-se um bate-boca. Chegamos a um impasse. Apelei para o pessoal.
Queria voltar, estava estressado, emagreci cinco quilos, precisava ver gente
viva. ‘Nós decidimos. Você vai ficar e pronto’, me disse a secretária. Eram
três da manhã e eu não queria esticar aquele papo. Fui bem claro: ‘Quem decide
o que eu faço sou eu. Peço demissão e estou voltando amanhã’. Do outro lado da
linha, ela tentou contemporizar. ‘Não é bem assim, vou falar com fulano e te ligo
depois’, disse. Eu encerrei de vez: ‘Não, ninguém me liga mais hoje. São três
da manhã e eu tenho um avião amanhã cedo. Tchau’. Desliguei e pedi à recepção
que não passasse mais nenhuma ligação para meu quarto. ‘Eles vão dar para
trás’, resmungou o Mario, que já dormia. Ligaram, eu soube depois. Mas eu já
estava dormindo. Pela primeira vez, desde a morte de Senna.
Na quarta-feira, saímos os
dois do hotel. Mario para Pisa, onde pegaria um avião para Londres. Eu para
Milão, de onde voaria para Madri. Ambos, como sempre, atrasados. Mas, também
como sempre, chegamos a tempo. No aeroporto de Linate, devolvi o Punto vinho e
só embarquei porque era brasileiro. Ficaram com pena de mim. Cheguei a Madri,
fui para o bom e velho Trip Hotel, liguei para meu editor, comuniquei-lhe que
estava demissionário e fui ao cinema assistir Proposta Indecente. No fim
da noite, emocionei-me pela quarta vez: na TV, mostraram as imagens do Morumbi
lotado gritando o nome de Senna antes do clássico São Paulo x Palmeiras. No
gramado, um jogador, ajoelhado, rezava. Era Gilmar, zagueiro são-paulino, hoje
na Portuguesa.
Tentei esquecer Senna, a
Fórmula 1 e a Folha. Na manhã seguinte, embarquei em Barajas levando um
monte de acessórios que comprei numa concessionária Renault para meu carro
novo, que eu ainda não tinha nem visto. Cheguei a São Paulo na quinta à noite,
logo depois do enterro. Minha mulher me esperava. Nos abraçamos em silêncio.
Tentei manter a pose. Na Avenida Tiradentes, vi bandeiras negras, faixas,
ônibus com a inscrição ‘Valeu Senna’. Na sexta, fui ao jornal para oficializar
minha saída. Não fui recebido pela direção de redação. O pessoal da editoria
não sabia que eu estava fora. Minha coluna, ‘Warm Up’, estava diagramada para
ser publicada no dia seguinte. Ela nunca foi escrita. Fui demitido na
segunda-feira, por insubordinação.
FONTE PESQUISADA
GOMES, Flávio. Imola, 1994. Disponível em:
<http://www.revistabrasileiros.com.br/2009/12/15/imola-1994/#.UxHmo-NdXYE>.
Acesso em: 01 de maio 2013.
Matéria fantástica. Desde a morte do Senna não lia uma matéria com tanto realismo. Meus parabéns!!!
ResponderExcluirFiquei emocionado parabéns
ResponderExcluirNão gostei do texto.
ResponderExcluirO foco do texto foi no jornalista e em suas "aventuras", e não nos detalhes do acidente e sua vítima.
Lendo esse minucioso relato em, 1 de maio de 2020.
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