A última entrevista de Ayrton Senna
Entrevista na Revista Caras, Edição Especial, Ano 1, Nº 2, 04/05/2013
Mara Ziravello
Última jornalista a entrevistar o tricampeão no Brasil,
nossa editora-assistente relata a excitante aventura de conhecer de perto o
grande Ayrton Senna.
Fiquei meia hora numa padaria ao lado do escritório de
Ayrton Senna, em São Paulo ,
esperando o minuto exato de subir para o encontro. Temia me atrasar no trânsito
ou que alguém ligasse desmarcando o compromisso. Enfim, que um raio qualquer me
acertasse. Bebi uma vitamina ainda custando acreditar que estava para conseguir
o que centenas de jornalistas desejavam: uma entrevista exclusiva com o ídolo
tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna. Meu ídolo. Dizem que não existem
ídolos par aos repórteres. Talvez eu ainda não tenha aprendido esta lição.
Foram seis meses de negociações, com duas, às vezes até três
conversas diárias. O contato, sempre telefônico, era feito com Leonardo Senna,
irmão mais novo de Ayrton, homem simpático, atencioso e extremamente ocupado
com a representação dos negócios da família no Brasil. Nunca nos encontramos
pessoalmente, mas aprendemos a confiar um no outro e rimos muito de cada
proposta nova que eu fazia, tentando criar argumentos que ajudassem Leonardo a
convencer o irmão a falar comigo. Na manhã do dia 22 de março disquei o número
que já sabia de cor, preparada para ouvir de Leonardo as mesmas desculpas, mas
não foi o que aconteceu. Ayrton Senna me receberia no dia seguinte, às 15h30,
em seu escritório, sob uma condição: sem fotógrafos.
Quando o relógio da padaria marcou 15h28 eu tomei meu rumo.
Na entrada do prédio, troquei meu crachá da revista CARAS por um cartão de
visitantes e senti que minhas mãos estavam suando. E começaram a tremer quando
o elevador, em vez de subir para o 12º andar, desceu para a garagem e a porta
se abriu. Lá estava ele, igualmente pontual, de calça de brim e camisa pólo
azul, ao lado do pai, Milton, um homem alto, encorpado, que pediu para o
elevador voltar vazio. Cheguei na porta do escritório, blindada feito um cofre,
mais tranquila. Ele subiria em seguida. Tratei de respirar fundo e vestir a
carcaça profissional.
Ayrton Senna entrou sorrindo, às voltas com um pedido de
autógrafo numa réplica de seu capacete encaminhado para a sua secretária pela
Rádio Bandeirantes. Assina não assina, acabou cedendo. Pediu que eu lhe desse
dez minutos e subiu.
Como já era esperado, os dez minutos viraram vinte. Quando
entrei no escritório, ele me estendeu a mão pedindo desculpas pelo atraso e eu
aproveitei a chance dizendo que sim, desde que ele respondesse a tudo que eu
perguntasse. Sorriu, abaixando a cabeça, e me convidou a sentar. Começamos a
entrevista, com o gravador ligado. Para cada pergunta que não fosse sobre
fórmula 1 ele se recostava na poltrona, passava as duas mãos no rosto e
demorava quase meio minuto para começar a responder. Típico entrevistado que
leva o repórter ao impulso de reformular a questão, mas tenho por hábito
esperar em silêncio, deixar que pense. Conforme liberava as palavras seu corpo
vinha para frente. Falava pausadamente, gesticulado bastante. Eu o interrompi
varias vezes com sensação que ele poderia se estender eternamente sobre o mesmo
tema.
A fita acabou. Trocamos mais algumas idéias sobre a vida, em
especial sobre a inabalável fé que ele demonstrou durante toda a entrevista.
Ele olhou o relógio. Esperei que me dispensasse, mas não fez isso. Gostou da
conversa e pediu que eu fosse fiel ao que ele tinha dito. Na despedida disse
que estávamos torcendo por ele. Ainda segurando minha mão, ele olhou bem nos
meus olhos e respondeu: “Deus é quem sabe”. Espero, fracamente, que sim.
A revista pronta
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