Revista Veja
03/05/1994
Senna descontrolou-se com a morte de
Ratzenberger, ficou mal com a capotagem de
Rubinho e foi às pistas preocupado com a morte
Ratzenberger, ficou mal com a capotagem de
Rubinho e foi às pistas preocupado com a morte
O último dia de Senna foi um
dia de tensão, mal-estar e medo. O piloto, que uma vez confessou que "o
medo me atrai", estava preocupadíssimo com a segurança da pista em Imola.
No sábado, Senna estava sentado sobre a carenagem do seu carro, dentro do box.
Assistia pelo monitor de televisão aos treinos, quando viu o acidente que matou
o piloto Roland Ratzenberger. Ficou com uma expressão de choque. Quando
Ratzenberger começou a receber uma massagem cardíaca, Senna se descontrolou.
Colocou as mãos no rosto, caminhou para um canto do box e chorou
convulsivamente. Os dois projetistas da Williams afastaram fotógrafos e
jornalistas para que a cena não fosse registrada. "Ele ficou assim,
chorando, uns quinze minutos", relembra Betize Assunção, sua assessora na
Europa, que ficou ao lado do piloto com a orientação de não lhe fazer nenhuma
pergunta. Quinze minutos depois, os projetistas foram até Senna e fizeram-lhe
uma pergunta técnica. Senna respondeu. Betize então perguntou se ele estava
bem. Senna disse que sim. "Dali em diante, ele não voltou mais ao
normal", diz Betize.
Foram dias duríssimos para
Senna. Um dia antes, na sexta-feira, com o desastre de Rubens Barrichello,
Senna também ficara transtornado. Naquele dia, ele treinou até 11h15 da manhã e
comeu a dieta preparada por seu fisioterapeuta, Joseph Leberer. Voltou a
treinar à 1 da tarde e largou tudo quando soube do acidente de Rubinho. Foi
correndo até o centro médico do autódromo. Tentou entrar pela porta da frente,
mas foi barrado. "Ninguém barrava Ayrton Senna para nada. Foi a primeira
vez que vi isso acontecer. Ele ficou ainda mais nervoso", lembra Ricardo
Tedeschi, outro dos auxiliares de Rubinho. Inconformado, Senna pulou o muro dos
fundos e chegou até o ambulatório onde estava Rubinho. "Oh, garotão",
disse Senna, pegando na mão de Rubinho. "Você está bem, fique tranqüilo,
falei com os médicos." Ao sair, Senna estava com o rosto pálido. "Ele
segurou forte no meu braço e só repetiu: 'Ele tá bem, ele tá bem'", diz
Tedeschi. Cercado pela imprensa, Senna deu uma entrevista inusitada. Em menos
de um minuto com os repórteres, disse sete vezes "ele tá bem, ele tá
bem".
No sábado, depois de ir ao
local do acidente do piloto austríaco, Senna decidiu que não iria mais treinar
naquele dia. Do próprio box, ligou para Adriane Galisteu, sua namorada, que
acabara de desembarcar em Lisboa. Adriane estava na casa do ex-banqueiro
Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, amigo íntimo do piloto, que o
acompanhava na Itália. Senna quis saber se Adriane chegara bem e teve um diálogo
tenso de dez minutos. Adriane lembra uma parte da conversa:
- E aí, tudo bem? - perguntou
Adriane.
- Não, aqui não está nada
bem. Estou muito chateado, muito nervoso, estou apavorado pelo que aconteceu
com esse garoto - respondeu Senna.
- E o Rubinho?
- Esse está bem. Mas ali foi
Deus que salvou.
- Você ainda vai treinar?
- Não vou correr mais, não
quero correr. Não vou sair mais de carro nessa pista - avisou.
Ainda no autódromo,
encontrou-se com o amigo Rubinho. Trocaram um longo abraço. "Ele estava
preocupado. Vi que ao me ver tinha lágrimas nos olhos", diz Rubinho. Na
noite de sábado, Senna ficou no Hotel Castelo, na cidadezinha de San Pietro di
Terme, próxima a Imola. Jantou no hotel com os amigos de sempre: Braguinha, o
locutor Galvão Bueno, da Rede Globo, o irmão Leonardo Senna, o sócio Ubirajara
Guimarães e o fisioterapeuta Leberer. No jantar, Bueno falou muito sobre a
necessidade de melhorar a segurança nas pistas. "Isso não pode continuar
assim", dizia Bueno. Senna, em silêncio, ouvia com um ar grave. Não disse
uma palavra, mas concordava, balançando a cabeça. Encerrado o jantar, às 11
horas, Senna voltou a telefonar para Adriane, que a essa altura já estava na
casa do piloto na Quinta do Lago, um condomínio de milionários em Faro, capital
de Algarves, em Portugal. É uma mansão branca com piscina, portão fechado e
cães de guarda. Dessa vez, os dois tiveram uma conversa longa, de cerca de uma
hora. Trechos do diálogo:
- Você está bem? - perguntou
Adriane.
- Estou muito chateado com o
que aconteceu. Os carros são realmente muito rápidos. Ainda bem que estou aqui
com o Braga, meu irmão, meus amigos. Agora estou melhor.
- Se cuida.
- Não precisa se preocupar
comigo. Não esqueça que eu sou forte, Adriane, muito forte.
Adriane recomendou ao
namorado que tomasse um chá antes de dormir. Os dois combinaram de se encontrar
no domingo às 8 e meia da noite, hora em que o piloto planejava pousar com seu
avião BA-800 no aeroporto de Faro. O casal combinou passar três dias em
Portugal. Depois iriam para Londres e finalmente Mônaco, onde ficariam pelo
menos uma semana em férias. "A gente não se via há um mês, estávamos com
muita saudade", diz ela. Os dois estavam praticamente se casando. Adriane
deixou o Brasil na semana passada levando na bagagem planos de não voltar ao
país até o final do ano, quando acabaria a temporada de Senna. Foi a última vez
que Adriane falou com o namorado. No dia seguinte, vendo o Grande Prêmio de
Imola pela televisão, assistiu ao acidente de Senna e tomou um calmante.
"Eu não tinha a menor dúvida de que ele iria sobreviver. Jamais pensei em
morte", lembra. Logo depois do acidente, Adriane ligou para a mãe de
Senna, dona Neyde, em São Paulo. Em seguida, ligou para Luisa, mulher de
Braguinha, que estava em Portugal, e combinou de ir com ela para a Itália. Já
estavam dentro de um jatinho em Faro quando o avião foi interceptado. Da
Itália, Braguinha mandava avisar que Senna morrera e que a viagem seria inútil.
As duas voltaram para Lisboa.
A última semana do piloto
Ayrton Senna foi infernal. Com os desastres em Imola, articulou-se para
reativar a associação dos pilotos, responsável no passado por mudanças que
melhoraram as condições de segurança da Fórmula 1. No dia de sua morte, Senna
conversou com Michael Schumacher, Michelle Albvoretto, Gerhard Berger e J.J.
Lehto. Sugeriu criar um conselho de ex-campeões, formado por Alain Prost, Niki
Lauda e Jackie Stewart, entre outros. Junto com Jean Todt, diretor esportivo da
Ferrari, os dois pilotos combinaram de ir a Mônaco depois da corrida em Imola para
discutir o assunto. Encerrada a conversa, Senna dirigiu-se para o box. Na hora
da concentração, ficou parado olhando o carro por cinco minutos. Antes de uma
corrida, os pilotos fazem um exercício de concentração, mas o de Senna fugiu um
pouco do normal. "Eu vi aquilo com muito cuidado. A expressão dele era
muito estranha", diz o jornalista Reginaldo Leme, um especialista em
coberturas de Fórmula 1.
Senna estava fora do Brasil
desde o dia 2 de abril, quando foi sozinho para a Inglaterra. Antes, passou por
Portugal, e em 11 de abril desembarcou no Japão para se preparar para o GP do
Pacífico. Foi uma semana descontraída. "Eu estava hospedado no Sheraton
Hotel da Disneylândia de Tóquio. Qual não foi minha surpresa quando o Senna
chegou e o hotel colocou-o no quarto vizinho ao meu", lembra Rubinho.
Senna estava sozinho e se juntou a Rubinho e um assessor para brincar no
parque. "Ele estava muito animado. Corremos na represa, brincamos,
jantamos. Eu sempre tive a imagem do Senna como a de uma pessoa séria e ocupada.
Lá vi que não era só isso. Ele é alegre e muito gentil. Uns quatrocentos
japoneses lhe pediram autógrafo. Ele atendeu a todos."
Em outubro do ano passado,
depois de três meses de negociações secretas, Senna realizou seu sonho e
embarcou na Williams. Assinou um contrato até 1995 pelo mesmo salário que tinha
na MacLaren em 1992 - 20 milhões de dólares. Mas teve um azar danado.
"Senna sonhava dirigir a Williams, mas na hora em que isso ocorreu o
regulamento da Fórmula 1 foi mudado", relembra o jornalista da Quatro
Rodas Lemyr Martins, um gaúcho que acompanha Senna desde os seus tempos de kart
em 1970. Os cartolas da Fórmula 1 fizeram um novo regulamento proibindo que os
carros usassem suspensão ativa. Com a mudança, a Williams perdeu a supremacia
sobre as demais equipes, embora continuasse sendo um excelente carro. A
suspensão ativa - mecanismo em que um computador de bordo faz a leitura da
lista à frente do carro e, por meios eletrônicos, ajusta a suspensão - dava uma
estabilidade excepcional aos carros da Williams. "Como era o carro mais
avançado, a Williams foi a equipe que mais sentiu as novas regras", diz
Lemyr Martins.
As mudanças surtiram o efeito
que a cartolagem quis. Baratearam os custos da Fórmula 1, que estavam crescendo
demais com a introdução frenética de tecnologias sofisticadas, e deixaram os
carros em condições um pouco mais iguais, acirrando a disputa entre os pilotos.
Para Ayrton Senna, que tanto insistiu em ir para a Williams porque tinha de
longe a melhor máquina, a mudança foi ruim. E seu campeonato de 1994 estava
sendo o pior de sua vida. Senna deixou a tabela de 1994 com um desempenho que
jamais tivera desde a estréia num circuito de Fórmula 1, em 1984. Foi a
primeira vez que o piloto não marcou um único ponto nas duas primeiras corridas
do campeonato. Rodou no Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, em São Paulo,
no dia 27 de março passado. Depois, tiraram-no da pista no Grande Prêmio do
Pacífico, no Japão, em 27 de abril, antes de fazer a primeira curva do circuito
de Aida. Senna não estava habituado com isso. Até mesmo na sua estréia em 1984,
um Senna inexperiente fez o sexto lugar no Grande Prêmio da áfrica do Sul, a
bordo de um carro sofrível, da Toleman Hart. Era a segunda corrida do ano - e
lá estava ele com 1 ponto marcado.
No dia 29 de março, dois dias
depois de abandonar no meio a corrida em Interlagos, Senna lançou a marca de
automóveis Audi no Brasil, numa festa sob o comando de Jô Soares. No dia 20 de
abril, o piloto teve mais uma prova do seu prestígio. Viajou para Paris, para
assistir ao jogo da seleção do Brasil contra o Paris Saint-Germain, que
terminou num morno 0 a
0. Convidado a dar o pontapé inicial do jogo, Senna entrou no gramado, apertou
a mão do jogador Raí, capitão da seleção brasileira, e saiu sob os aplausos dos
torcedores. Aplauso consagrador, pois Senna estava na terra do grande rival
Alain Prost. Enfadado com um jogo morno, saiu antes do final da partida.
"Isso é como uma corrida sem pódio e sem ultrapassagem", disse,
brincando. à noite, foi jantar no La Coupole, em Montparnasse, e encontrou um
grupo de brasileiros. Fizeram uma grande mesa, mas Senna ficou calado.
Respeitando sua dieta, tomou apenas água.
Na semana passada, Senna voou
para a Alemanha. Em Ingolstadt, perto de Munique, visitou a fábrica que produzirá
bicicletas da marca Senna. Na quinta-feira, no avião particular, desembarcou em
Padova, na Itália, para lançar a sua bicicleta. De Padova, foi de helicóptero
para Imola. Ficou todos os dias entre o circuito e o hotel, em San Pietro di
Terme. Nas entrevistas, falava em preocupações técnicas. Com seu potente motor
Renault V12, estava preocupado com o gasto excessivo de combustível. Não
mostrava preocupação com suas chances de ser tetra, apesar de Schumacher estar
com 20 pontos à frente. "A história da Fórmula 1 mostra que nem sempre
quem sai na frente é o campeão", disse ele, na terça-feira. Senna sabia
disso por experiência própria. Em 1988, Alain Prost chegou a ter 18 pontos de
vantagem e, ao final, o campeão foi Senna. Numa entrevista ao jornal italiano
Tuttosport, Senna comentou a larga diferença de pontos. "Prefiro encarar
assim: para mim o Mundial começa com a prova de Imola." Foi lá que
terminou para sempre.
FONTE PESQUISADA
Nos últimos dias, o medo. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/especiais/extras/fechado/senna03.html>. Acesso
em: 09 de janeiro 2013.
ele morreu 1 guerreiro era 1 guerreiro saudades sem fim sem fim desse genial patriota ayrtonnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn ayrtonnnnnnnnnnnnnnnnn sennaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa do brasillllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll
ResponderExcluir