quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Nos Últimos Dias, O Medo

Revista Veja 
03/05/1994



Senna descontrolou-se com a morte de
Ratzenberger, ficou mal com a capotagem de
Rubinho e foi às pistas preocupado com a morte

O último dia de Senna foi um dia de tensão, mal-estar e medo. O piloto, que uma vez confessou que "o medo me atrai", estava preocupadíssimo com a segurança da pista em Imola. No sábado, Senna estava sentado sobre a carenagem do seu carro, dentro do box. Assistia pelo monitor de televisão aos treinos, quando viu o acidente que matou o piloto Roland Ratzenberger. Ficou com uma expressão de choque. Quando Ratzenberger começou a receber uma massagem cardíaca, Senna se descontrolou. Colocou as mãos no rosto, caminhou para um canto do box e chorou convulsivamente. Os dois projetistas da Williams afastaram fotógrafos e jornalistas para que a cena não fosse registrada. "Ele ficou assim, chorando, uns quinze minutos", relembra Betize Assunção, sua assessora na Europa, que ficou ao lado do piloto com a orientação de não lhe fazer nenhuma pergunta. Quinze minutos depois, os projetistas foram até Senna e fizeram-lhe uma pergunta técnica. Senna respondeu. Betize então perguntou se ele estava bem. Senna disse que sim. "Dali em diante, ele não voltou mais ao normal", diz Betize.

Foram dias duríssimos para Senna. Um dia antes, na sexta-feira, com o desastre de Rubens Barrichello, Senna também ficara transtornado. Naquele dia, ele treinou até 11h15 da manhã e comeu a dieta preparada por seu fisioterapeuta, Joseph Leberer. Voltou a treinar à 1 da tarde e largou tudo quando soube do acidente de Rubinho. Foi correndo até o centro médico do autódromo. Tentou entrar pela porta da frente, mas foi barrado. "Ninguém barrava Ayrton Senna para nada. Foi a primeira vez que vi isso acontecer. Ele ficou ainda mais nervoso", lembra Ricardo Tedeschi, outro dos auxiliares de Rubinho. Inconformado, Senna pulou o muro dos fundos e chegou até o ambulatório onde estava Rubinho. "Oh, garotão", disse Senna, pegando na mão de Rubinho. "Você está bem, fique tranqüilo, falei com os médicos." Ao sair, Senna estava com o rosto pálido. "Ele segurou forte no meu braço e só repetiu: 'Ele tá bem, ele tá bem'", diz Tedeschi. Cercado pela imprensa, Senna deu uma entrevista inusitada. Em menos de um minuto com os repórteres, disse sete vezes "ele tá bem, ele tá bem".

No sábado, depois de ir ao local do acidente do piloto austríaco, Senna decidiu que não iria mais treinar naquele dia. Do próprio box, ligou para Adriane Galisteu, sua namorada, que acabara de desembarcar em Lisboa. Adriane estava na casa do ex-banqueiro Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, amigo íntimo do piloto, que o acompanhava na Itália. Senna quis saber se Adriane chegara bem e teve um diálogo tenso de dez minutos. Adriane lembra uma parte da conversa:

- E aí, tudo bem? - perguntou Adriane.

- Não, aqui não está nada bem. Estou muito chateado, muito nervoso, estou apavorado pelo que aconteceu com esse garoto - respondeu Senna.

- E o Rubinho?

- Esse está bem. Mas ali foi Deus que salvou.

- Você ainda vai treinar?

- Não vou correr mais, não quero correr. Não vou sair mais de carro nessa pista - avisou.

Ainda no autódromo, encontrou-se com o amigo Rubinho. Trocaram um longo abraço. "Ele estava preocupado. Vi que ao me ver tinha lágrimas nos olhos", diz Rubinho. Na noite de sábado, Senna ficou no Hotel Castelo, na cidadezinha de San Pietro di Terme, próxima a Imola. Jantou no hotel com os amigos de sempre: Braguinha, o locutor Galvão Bueno, da Rede Globo, o irmão Leonardo Senna, o sócio Ubirajara Guimarães e o fisioterapeuta Leberer. No jantar, Bueno falou muito sobre a necessidade de melhorar a segurança nas pistas. "Isso não pode continuar assim", dizia Bueno. Senna, em silêncio, ouvia com um ar grave. Não disse uma palavra, mas concordava, balançando a cabeça. Encerrado o jantar, às 11 horas, Senna voltou a telefonar para Adriane, que a essa altura já estava na casa do piloto na Quinta do Lago, um condomínio de milionários em Faro, capital de Algarves, em Portugal. É uma mansão branca com piscina, portão fechado e cães de guarda. Dessa vez, os dois tiveram uma conversa longa, de cerca de uma hora. Trechos do diálogo:

- Você está bem? - perguntou Adriane.

- Estou muito chateado com o que aconteceu. Os carros são realmente muito rápidos. Ainda bem que estou aqui com o Braga, meu irmão, meus amigos. Agora estou melhor.

- Se cuida.

- Não precisa se preocupar comigo. Não esqueça que eu sou forte, Adriane, muito forte.

Adriane recomendou ao namorado que tomasse um chá antes de dormir. Os dois combinaram de se encontrar no domingo às 8 e meia da noite, hora em que o piloto planejava pousar com seu avião BA-800 no aeroporto de Faro. O casal combinou passar três dias em Portugal. Depois iriam para Londres e finalmente Mônaco, onde ficariam pelo menos uma semana em férias. "A gente não se via há um mês, estávamos com muita saudade", diz ela. Os dois estavam praticamente se casando. Adriane deixou o Brasil na semana passada levando na bagagem planos de não voltar ao país até o final do ano, quando acabaria a temporada de Senna. Foi a última vez que Adriane falou com o namorado. No dia seguinte, vendo o Grande Prêmio de Imola pela televisão, assistiu ao acidente de Senna e tomou um calmante. "Eu não tinha a menor dúvida de que ele iria sobreviver. Jamais pensei em morte", lembra. Logo depois do acidente, Adriane ligou para a mãe de Senna, dona Neyde, em São Paulo. Em seguida, ligou para Luisa, mulher de Braguinha, que estava em Portugal, e combinou de ir com ela para a Itália. Já estavam dentro de um jatinho em Faro quando o avião foi interceptado. Da Itália, Braguinha mandava avisar que Senna morrera e que a viagem seria inútil. As duas voltaram para Lisboa.

A última semana do piloto Ayrton Senna foi infernal. Com os desastres em Imola, articulou-se para reativar a associação dos pilotos, responsável no passado por mudanças que melhoraram as condições de segurança da Fórmula 1. No dia de sua morte, Senna conversou com Michael Schumacher, Michelle Albvoretto, Gerhard Berger e J.J. Lehto. Sugeriu criar um conselho de ex-campeões, formado por Alain Prost, Niki Lauda e Jackie Stewart, entre outros. Junto com Jean Todt, diretor esportivo da Ferrari, os dois pilotos combinaram de ir a Mônaco depois da corrida em Imola para discutir o assunto. Encerrada a conversa, Senna dirigiu-se para o box. Na hora da concentração, ficou parado olhando o carro por cinco minutos. Antes de uma corrida, os pilotos fazem um exercício de concentração, mas o de Senna fugiu um pouco do normal. "Eu vi aquilo com muito cuidado. A expressão dele era muito estranha", diz o jornalista Reginaldo Leme, um especialista em coberturas de Fórmula 1.

Senna estava fora do Brasil desde o dia 2 de abril, quando foi sozinho para a Inglaterra. Antes, passou por Portugal, e em 11 de abril desembarcou no Japão para se preparar para o GP do Pacífico. Foi uma semana descontraída. "Eu estava hospedado no Sheraton Hotel da Disneylândia de Tóquio. Qual não foi minha surpresa quando o Senna chegou e o hotel colocou-o no quarto vizinho ao meu", lembra Rubinho. Senna estava sozinho e se juntou a Rubinho e um assessor para brincar no parque. "Ele estava muito animado. Corremos na represa, brincamos, jantamos. Eu sempre tive a imagem do Senna como a de uma pessoa séria e ocupada. Lá vi que não era só isso. Ele é alegre e muito gentil. Uns quatrocentos japoneses lhe pediram autógrafo. Ele atendeu a todos."

Em outubro do ano passado, depois de três meses de negociações secretas, Senna realizou seu sonho e embarcou na Williams. Assinou um contrato até 1995 pelo mesmo salário que tinha na MacLaren em 1992 - 20 milhões de dólares. Mas teve um azar danado. "Senna sonhava dirigir a Williams, mas na hora em que isso ocorreu o regulamento da Fórmula 1 foi mudado", relembra o jornalista da Quatro Rodas Lemyr Martins, um gaúcho que acompanha Senna desde os seus tempos de kart em 1970. Os cartolas da Fórmula 1 fizeram um novo regulamento proibindo que os carros usassem suspensão ativa. Com a mudança, a Williams perdeu a supremacia sobre as demais equipes, embora continuasse sendo um excelente carro. A suspensão ativa - mecanismo em que um computador de bordo faz a leitura da lista à frente do carro e, por meios eletrônicos, ajusta a suspensão - dava uma estabilidade excepcional aos carros da Williams. "Como era o carro mais avançado, a Williams foi a equipe que mais sentiu as novas regras", diz Lemyr Martins.

As mudanças surtiram o efeito que a cartolagem quis. Baratearam os custos da Fórmula 1, que estavam crescendo demais com a introdução frenética de tecnologias sofisticadas, e deixaram os carros em condições um pouco mais iguais, acirrando a disputa entre os pilotos. Para Ayrton Senna, que tanto insistiu em ir para a Williams porque tinha de longe a melhor máquina, a mudança foi ruim. E seu campeonato de 1994 estava sendo o pior de sua vida. Senna deixou a tabela de 1994 com um desempenho que jamais tivera desde a estréia num circuito de Fórmula 1, em 1984. Foi a primeira vez que o piloto não marcou um único ponto nas duas primeiras corridas do campeonato. Rodou no Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, em São Paulo, no dia 27 de março passado. Depois, tiraram-no da pista no Grande Prêmio do Pacífico, no Japão, em 27 de abril, antes de fazer a primeira curva do circuito de Aida. Senna não estava habituado com isso. Até mesmo na sua estréia em 1984, um Senna inexperiente fez o sexto lugar no Grande Prêmio da áfrica do Sul, a bordo de um carro sofrível, da Toleman Hart. Era a segunda corrida do ano - e lá estava ele com 1 ponto marcado.

No dia 29 de março, dois dias depois de abandonar no meio a corrida em Interlagos, Senna lançou a marca de automóveis Audi no Brasil, numa festa sob o comando de Jô Soares. No dia 20 de abril, o piloto teve mais uma prova do seu prestígio. Viajou para Paris, para assistir ao jogo da seleção do Brasil contra o Paris Saint-Germain, que terminou num morno 0 a 0. Convidado a dar o pontapé inicial do jogo, Senna entrou no gramado, apertou a mão do jogador Raí, capitão da seleção brasileira, e saiu sob os aplausos dos torcedores. Aplauso consagrador, pois Senna estava na terra do grande rival Alain Prost. Enfadado com um jogo morno, saiu antes do final da partida. "Isso é como uma corrida sem pódio e sem ultrapassagem", disse, brincando. à noite, foi jantar no La Coupole, em Montparnasse, e encontrou um grupo de brasileiros. Fizeram uma grande mesa, mas Senna ficou calado. Respeitando sua dieta, tomou apenas água.


Na semana passada, Senna voou para a Alemanha. Em Ingolstadt, perto de Munique, visitou a fábrica que produzirá bicicletas da marca Senna. Na quinta-feira, no avião particular, desembarcou em Padova, na Itália, para lançar a sua bicicleta. De Padova, foi de helicóptero para Imola. Ficou todos os dias entre o circuito e o hotel, em San Pietro di Terme. Nas entrevistas, falava em preocupações técnicas. Com seu potente motor Renault V12, estava preocupado com o gasto excessivo de combustível. Não mostrava preocupação com suas chances de ser tetra, apesar de Schumacher estar com 20 pontos à frente. "A história da Fórmula 1 mostra que nem sempre quem sai na frente é o campeão", disse ele, na terça-feira. Senna sabia disso por experiência própria. Em 1988, Alain Prost chegou a ter 18 pontos de vantagem e, ao final, o campeão foi Senna. Numa entrevista ao jornal italiano Tuttosport, Senna comentou a larga diferença de pontos. "Prefiro encarar assim: para mim o Mundial começa com a prova de Imola." Foi lá que terminou para sempre.


FONTE PESQUISADA

Nos últimos dias, o medo. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/especiais/extras/fechado/senna03.html>. Acesso em: 09 de janeiro 2013.

Um comentário:

  1. ele morreu 1 guerreiro era 1 guerreiro saudades sem fim sem fim desse genial patriota ayrtonnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn ayrtonnnnnnnnnnnnnnnnn sennaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa do brasillllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll

    ResponderExcluir