segunda-feira, 2 de junho de 2014

A Loira Que Roubava Beijos De Senna Atrás Dos Boxes Revela Sua Vida Na F-1



São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
Folha de São Paulo
Esportes

ADRIANE GALISTEU
ESPECIAL PARA A FOLHA


Apresento aqui um trecho do meu livro "O Caminho das Borboletas", totalmente dedicado a Ayrton Senna. É a minha vida com ele, que foi o momento mais feliz que eu tive.
É também um presente aos fãs e a todas as pessoas que o amaram. Quero mostrar a elas como ele era.
Por isso, mostro muito bem no livro a divisão entre o Ayrton Senna, o corredor de Fórmula 1, e o Béco, meu namorado.
O nome do livro tem a ver com um lugar muito especial em uma fazenda em Campinas, onde fiquei por um tempo depois que tudo aconteceu.

PRIMEIRA VITÓRIA
- O Ayrton teve um acidente.
A notícia me recebeu na porta do autódromo. Eu tinha sido despertada pelo vrum-vrum das máquinas, o warm up já rolando, meti uma roupa, rapidinha, peguei carona com o Marquinhos Magalhães Pinto e cheguei descabelada. Mais descabelada ainda fiquei ao saber dele.
Corri para o boxe da McLaren, nada. Tentei o motorhome. Olha lá ele, bem ao lado, já dentro do carro reserva, uniformizado dos pés à cabeça, pronto para voltar à pista. Alívio. E o acidente?
- Nada, nada - despistou.
Um mecânico me socorreu: machucou a mão, mordeu a língua, saiu um pouco de sangue da boca.
- Ainda bem que você não estava aqui, pra desmaiar - brincou ele, mostrando que estava com o astral lá em cima.
Entre os preparativos e a largada, ele ficou entregue a outro de seus anjos da guarda, que eu vim a conhecer também naquele dia: o Joseph, um austríaco que trabalha na infra da McLaren e que além de servir como uma espécie de escudeiro para os pilotos, é um expert em massagens curativas e em poções mágicas.
Os 60 minutos que precedem a largada são aquele corre-corre entre os boxes e os motorhomes, não há quem não tenha ímpetos de comer as unhas ou arrancar os cabelos. Posso dizer que conheci, naqueles minutos, o significado da palavra nervosismo. Curiosamente, minha melhor terapia era quem mais devia estar ansioso: Béco surgiu sei lá de onde, faltando 20 minutos para a bandeirada, pegou-me pela mão e me convidou a ir para o boxe da McLaren com ele.
- Pro boxe? - estranhei.
Nem respondeu. Saiu me arrastando diante da arquibancada, que explodia de entusiasmo. O boxe da McLaren era um ovo, onde mal cabiam meia dúzia de mecânicos e os pilotos. Como se fosse um ato proibido de dois meninos, ele me fez esconder com ele atrás de um tapume de papelão e me sapecou um beijo:
- É hoje!
- É hoje! - eu não conseguia encontrar nada senão o óbvio para empurrá-lo para a vitória.
Com o polegar direito do tamanho de uma bola de tênis, mas devidamente enfaixado, Ayrton entrou na pista para vencer. Joseph, o massagista, ajudou: o carro, também; mas eu gostaria de reivindicar o meu modesto mérito. Na minha estréia na Fórmula 1 como namorada dele, dei sorte.
Eu e o Oscar Guerra rezamos mais do que o papa. Mas aí, ao final, corri da cabine da Globo para o pódio, disparada mesmo, sem fôlego. Ouvi ainda longe os acordes do hino nacional brasileiro, lágrimas rolavam pelo meu rosto enquanto eu ainda tentava me aproximar do pódio, mas eu só pude vê-lo depois, na reprodução daquela cena típica da vida dele, a multidão compacta que caminha e empurra, lá no meio, o impávido boné azul. Ao me ver, ele abriu passagem com os cotovelos e me confidenciou ao ouvido coisas muito mais doces do que aquelas frutas suíças:
- Foi muito bom... Você sabe que foi pra você, não sabe?
Diante do Clube Sporting, a passadeira vermelha, o público igual ao do Oscar e as câmeras fotográficas esperavam pelos príncipes de Mônaco. Os que dão expediente o ano todo. E o que potinfica no dia do GP - nesse, acompanhado de sua princesa, "a misteriosa loira brasileira". Claro que, na correria do banho e da escolha da roupa, sofri a típica doença feminina: achei que não tinha roupa. Ele, elegante com seu smoking, mostrou como a vitória produz homens pacientes e tolerantes. Pois ele se encarregou:
- Eu decido.
E decidiu-se por aquele tal vestido bem pouco protocolar, com salto alto e meia grossa.
Mas... - tentei argumentar.
- Está linda.
O auditório estava apinhado. Ficamos bem no centro da mesa principal. Eu olhava para o lado e via o príncipe Albert. Virava para o outro, Michael Douglas. E aquela menina bonita? Ah, a Cindy Crawford, com seu namoradão grisalho e charmosérrimo, Richard Gere. De repente, quem está olhando para mim, quase em frente? A princesa Carolina. Faço um aceno protocolar com a cabeça e abaixo os olhos, morta de inibição. Nunca se viu tanta concentração per capita de beleza e fama. É que, naquele ano, o GP de Mônaco coincidiu com o Festival de Cinema de Cannes e todo mundo acorreu para a boca-livre. Sem falar das estrelas do próprio circo: Niki Lauda, Jackie Stewart, Ron Dennis.
O garçom veio no servir:
- Champagne, mademoiselle?
- Merci, Coca-Colá.
Outro homem teria me dado um beliscão por baixo da mesa, mas o meu Béco foi solidário com a minha criancice:
- Então, duas Coca-Colás.
Galvão Bueno, subitamente ameaçou um piripaque. Afrouxou a gravata, botou a mão no coração, saiu para tomar ar fresco. Ayrton se preocupou, assim como nós, da turma de brasileiros. Mas logo se percebeu que ia passar. Por isso mesmo, Béco se permitiu uma molecagem. Chamou uma ambulância e obrigou o constrangido Galvão a entrar, com suas próprias pernas, na barulhenta ambulância. Menos de uma hora depois, estava de volta, inteiro, na boate aonde a festa se estendeu.
Depois da entrega de prêmios, a esticada foi no Jimmy's, o night club da moda. Novas homenagens - e uma platéia bem mais informal e eclética. Muitos dos pilotos - Prost, lá do outro lado, na reta oposta, Berger, Patrese -, figurões do big business do automobilismo, como o Mansour Ojjeh, sócio majoritário da McLaren, e algumas roadies do circuito, como a Sylvia Piquet, ex-mulher do Nélson.
Tínhamos uma mesa de pista e senti que o Ayrton, que não fazia exatamente o tipo rei da noite, começou a se remexer, inquieto, e a afrouxar o laço da gravata-borboleta à medida que um elenco de mulheres desinibidas veio exibir suas, digamos assim, virtudes, sem o menor constrangimento, bem diante dele. Eu não hei de me esquecer especialmente de uma mulher lindíssima, que tinha corpo e ritmo de bailarina, mas cujo vestido de noite consistia numa pecinha menor do que uma blusa. Ela olhava para o Ayrton e lançava vigorosamente as pernas até a altura da cabeça. Detalhezinho: a moça estava exatamente como a Lílian Ramos no Carnaval carioca de 1994.
- Estou fingindo que não vejo - me cutucou ele, rindo.
A noitada foi ficando para os que tinham bebido demais e para os que tinham se vestido de menos. Não era o nosso caso. Felizes como duas crianças, Béco e eu ainda resolvemos pregar uma última peça. Os amigos diziam que ele era um irremediável pão-duro. Naquela boate onde a dose do scotch custava quase US$ 100 e onde litros e litros de champagne tinham enchido os copos de nossa mesa, o suposto mão fechada Ayrton tomou a iniciativa de ir sorrateiramente para o caixa, acertar a conta, mas combinar com o garçom um susto no Marquinhos Magalhães Pinto, banqueiro, filho de mineiro e outro que não por acaso carregava a mesma reputação. Galvão e Oscar eram nossos cúmplices na cilada.
- Estamos indo. Tchau.
O garçom fingiria que a conta não tinha sido paga. Mais do que isso: multiplicaria por cinco as despesas. Assim foi feito: 40 minutos depois, Marquinhos, que era nosso hóspede no apartamento, apareceu lívido, com uma expressão de puro desespero. Alguns milhares de dólares por uma noite - até um banqueiro é capaz de baquear.
- Acho que vou ter que trabalhar o resto da vida.
Uma gargalhada, a enésima naquele dia de vitórias e alegrias, acompanhou o hexacampeão de Mônaco até a cama, abraçado a mim. Sou dona de um sono adolescente: é entrar nos lençóis, fechar os olhos e apagar. Ele, ao contrário, é do tipo que custa a pegar no sono. Naquela noite, depois de tudo, eu tinha o corpo moído mas a cabeça ligada:
- É um sonho? É verdade?
Já não me importava fazer essa distinção. Queria viver aquilo, em que esfera se passasse. Realidade e ilusão valem a pena, quando uma outra coisa aquece o coração. 

‘Conto de fadas sem o final feliz’

A modelo Adriane Galisteu, 21, viveu um sonho durante 405 dias.
O sonho, porém, acabou no último dia 1º de maio, no acidente que matou Ayrton Senna durante o GP de San Marino.
Adriane volta à cena agora com o lançamento de seu livro ``O Caminho das Borboletas", um depoimento no qual narra sua convivência com o tricampeão da F-1.
Para a modelo, o livro será um ``ponto final" em sua história ligada a Ayrton Senna e o começo de uma nova vida.

Folha - O que significa esse ``ponto final" na sua história com Ayrton Senna?
Adriane Galisteu - Desde que ele morreu, não tenho feito outra coisa senão falar, sonhar e pensar nele. Não que não seja bom, mas cada vez eu me machuco mais. Preciso lembrar que a vida continua. Então, o livro é para ser lido, fechar, guardar tudo como uma recordação eterna e tocar a vida.
Folha - Você define sua história como um conto de fadas?
Adriane - Mais ou menos, porque conto de fadas tem final feliz. Mas, no tempo em que eu vivi com ele, cada dia era diferente do outro e eu era feliz o tempo todo.
Folha - Como era sua vida antes de conhecer o Ayrton?
Adriane - Sou modelo desde os nove anos. Ao mesmo tempo, estudava. Então, minha rotina era diferente das outras garotas. Fiz o curso de magistério num colégio público e até cheguei a dar aulas para crianças.
Folha - Você e o Ayrton pensaram em se casar?
Adriane - A gente comentava muito pouco, mas eu acho que tudo caminhava para isso.
Folha - Na sua opinião, o acidente foi por defeito do carro?
Adriane - Com certeza. Mas não me importa a explicação, não vai me trazer ele de volta. 

Os amigos

Vi aqueles homens de fibra e de aço chorarem como criancinhas. Alguns deles recostavam seu rosto no meu ombro –pediam socorro logo a quem? A morte do companheiro de pista expunha a fragilidade deles. Poderia ter acontecido comigo –é o que com certeza passava na cabeça de cada um.
Pois bem, naquele dia de luto e dor, ficou provado que circula vida nas veias dos super-heróis da quilometragem. Eles vibram, amam, choram. Têm outros sentimentos, além da ânsia da velocidade, com cara de quem não está nem aí para o perigo. Estão, sim.
Em Mônaco, em maio de 1993, comecei a travar contato com esses moços e com suas histórias arriscadas e atrapalhadas. Ayrton, que adorava atazanar os amigos, era um coroinha diante de outros pilotos. Dizia, por exemplo, com toda a seriedade:
– Eu tenho um amigo louco – pronunciava a palavra louco como um psiquiatra a pronunciaria.
– O nome dele é Gerhard Berger.
Companheiro de escuderia na McLaren, o grandalhão austríaco conviveu com Senna, numa certa época, mais do que os outros pilotos. Senna o conhecia bem. Gostava um bocado dele. O sentimento era recíproco. Quando tudo aconteceu, Berger tomou um avião na Europa, desembarcou em São Paulo para o velório e o enterro, voltou na mesma noite para a Europa porque não queria perder o velório e o enterro de seu compatriota Roland Ratzenberger, a outra vítima do massacre de Ímola. Nessa, acabou esquecendo a mala no hotel.
Béco tinha pânico das brincadeiras de Berger. Sistemático que só ele, Ayrton não largava uma pasta tipo 007 em que guardava suas pequenas preciosidades, tipo agenda, passaporte, caneta, uma mininécessaire, um suéter e um exemplar da Bíblia. A fé de Ayrton era uma crença íntima, não uma exibição pública, mas a leitura dos salmos e dos versículos sagrados era um hábito de todas as noites, um relax espiritual para facilitar um sono que, antes das corridas, quase sempre custava a chegar.
À melhor história com Berger, eu não assisti. Mas conheço bem. Os dois deixavam, de helicóptero, o hotel Villa d'Este, às margens do deslumbrante lago de Como, antes de um GP em Monza. O Ayrton com sua indefectível pastinha, o Berger simulando um certo interesse pela paisagem. Ayrton se distraiu, o austríaco lhe arrancou a pasta da mão, abriu a porta do helicóptero já em movimento e arremessou o precioso objeto para as águas do lago. Errou por pouco: a pasta 007 esborrachou no gramado, quase no lago.
Ayrton guardou a vingança na geladeira. Esperou até o GP da Austrália. Nesse dia, quem dividia o quarto com ele era seu primo Fábio Machado. A dupla surrupiou da camareira uma chave mestra, invadiu o quarto de Berger e Ana, a simpática portuguesinha que é namorada dele há muito tempo, derrubou na banheira as roupas dos dois, encheu de água até em cima, entornou xampu, enfeitou o ventilador de pás com peças íntimas do casal e sumiu, antes que Ana e Berger reaparecessem.
Berger pode ser louco, mas não é idiota. E Ayrton e Fábio não duvidavam de que vinha troco a caminho. Aparentemente, não veio. Os quatro tinham combinado de jantar naquela noite. Ayrton e Fábio trocaram um olhar cúmplice quando viram que tanto Berger quanto Ana, não por acaso, vestiam as mesmas roupas da tarde. Ficaram firmes. O jantar transcorreu sem uma queixa, um pio sobre roupa, banheira, quarto –nada, nada. Ficaram elas por elas, imaginou Ayrton.
Dias depois, passada a prova, Ayrton desembarca a negócios em Buenos Aires. Não havia lugar no mundo em que um porteiro, um motorista, um policial não o reconhecesse e não lhe manifestasse seu entusiasmo –além do tradicional pedido de autógrafo. Surpresa: o guarda da imigração argentina fecha a cara, irritado, pede licença e tranca-se numa sala, com outros oficiais. Demorada conferência. Volta um senhor severo, visivelmente mais graduado:
– Temos todo o respeito pelo señor Ayrton Senna – começou o oficial.
– Pero hay un problemita.
O passaporte. Constrangimento. Passou-lhe o documento. No lugar em que deveria estar aquela foto 5 x 7, colorida e, se possível, sorridente, estava uma donzela nua, sem um só trapinho a vesti-la e, pior, em posição ginecológica.
– Berger... Berger... – espumou Senna.
Desfazendo-se em desculpas, o piloto brasileiro explicou às autoridades argentinas que aquela grosseira colagem era vingança de "um austríaco maluco".
Nossa convivência com Berger era íntima e social. Aliás, se havia alguma coisa que Ayrton sabia separar era a relação gostosa que rolava num jantar, numa viagem ou num passeio, e uma conversa embebida em gasolina e cheia de palavrões técnicos que o Senna –aí, sim, o Senna– tinha de ter, às vezes, com um ou outro parceiro de pista. Trabalho e prazer –nada a ver.
Do Rubinho Barrichello, por exemplo, ele dizia coisas ótimas:
– Com um carro melhor, vai longe – previa.
Na verdade, ele se sentia padrinho dos nossos calouros, da jovem guarda brasileira do volante, o próprio Rubinho, Christian Fittipaldi, mas também do português Pedro Lamy e do escocês David Coulthard, que por ironia viria substituí-lo na Williams.
(...)
Damon Hill, Michael Andretti –que durou pouco na Fórmula 1. Para eles também Ayrton tinha palavras de amizade. Até onde eu saiba, pelo alemão Michael Schumacher ele mantinha, de início, só indiferença. Por uma única vez, recordo-me, estivemos lado a lado, Ayrton e eu, Schumacher e a mulher dele, uma alemã loira e bonita. Num show da Tina Turner –outra paixão do Béco– na Austrália, em 1993. Trocamos uma apresentação rápida e meia dúzia de palavras. Não havia intimidade possível com um sujeito que passou um show trepidante como quem estivesse assistindo a um concerto em Salzburgo.
Na temporada de 1994, quando o Benetton de Schumacher começou a dar um suor no Williams de Senna, nem assim Ayrton falava dele. Preocupava-o apenas o desempenho de sua própria máquina, e ponto final. Jamais se importou com aquele que chamava, secamente, de "o alemão" ou, ao pé da letra, "o sapateiro".
Alain Prost, sim, era uma pedra no sapato, ou na sapatilha. A crônica de seus duelos com Ayrton nas pistas vai permanecer na história do automobilismo. De parte a parte, ficaram ressentimentos, queixas, acusações de jogo sujo –e Senna, que odiava perder, teve de amargar o tetracampeonato do rival logo naquela temporada em que vivi intensamente a seu lado. Com Prost, chegou a ser uma relação de tipo mudar de calçada quando um via o outro. Mesas distantes em restaurantes, nos anos negros da hostilidade. Até os garçons tremiam. Mas o tempo foi curando as feridas. Num magnífico restaurante em que jantávamos em Milão, setembro de 1993, antes do GP de Monza, com o Braga, o tio Papagaio, aliás Galvão Bueno, e esposa, a tenista Monica Seles e a mãe, o Julian Jakobi e sua adorável mulher, Fiona, de repente Prost em pessoa veio a nossa mesa. Ayrton gelou, mas o pior já tinha passado. Prost estava, isso sim, mais à vontade: afinal, naquele ano o campeão foi ele, não o seu eterno rival.
Meu sexto sentido indica, porém, que a rivalidade dos dois tinha o tempero de um enorme respeito. Haviam dividido, não sem algumas farpas, o mesmo boxe, o mesmo time, o mesmo staff da McLaren por dois anos. Alain Prost era alguém -quando "o francês" vinha à baila, numa conversa entre amigos, uma certa cerimônia se impunha, a não ser quando Ayrton queria gozar a incompatibilidade dele com a chuva a as pistas molhadas. Prost desafiava Senna, Senna desafiava Prost, e foi essa estimulante competição, interrompida na temporada de 1994 com a aposentadoria do francês, que produziu aquele diálogo entre os dois, incrível, às vésperas do desastre de Imola. Quem assistiu ao abraço, como o Braguinha, custou a acreditar. Senna foi além:
-Estou sentindo a sua falta
-disse ele a Prost, em inglês.
A parte francesa dessa linda reconciliação entre as duas feras se traduziu no choro sincero de Alain Prost, diante do esquife do ex-rival. Falou-me, após o funeral, que ele também tinha morrido um pouco, junto com Ayrton Senna. Parecia meio deslocado naquele ambiente soturno e distante do Cemitério do Morumbi. Com a mão em meu braço, disse um comovido "conte comigo".
Houve um adversário de verdade na vida e na carreira de Ayrton Senna. Não se pode esperar palavras de rancor e ódio de quem lia a Bíblia como ele, mas acontecem situações de saia-justa que dizem tudo. Às vésperas do Grande Prêmio de Estoril, fomos num grupo grande experimentar aquela maravilha de cozinha portuguesa que é o restaurante Porto Santa Maria, na praia do Guincho, diante daquelas escarpas do cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa. Coisa dos deuses. Encomendado com antecedência pelo nosso anfitrião, o Braga, um linguado ao forno, cozido dentro de uma casca de sal grosso.
Chegamos e o maitre nos levou a uma mesa voltada para aquele mar e para aquele horizonte de onde, séculos atrás, uns malucos portugueses, a bordo de casquinhas tão frágeis quanto os carros de Fórmula 1, foram descobrir novos mundos. De repente, o Ayrton, sempre ligadíssimo, parou:
– Aqui, não. Vamos para outra mesa, bem longe.
Fincou pé, os outros convidados perplexos. Mas me sussurou ao ouvido:
– O indivíduo está aí.
A palavra, aqui entre nós, não foi propriamente indivíduo. Imaginei que era o Prost. Nada disso: o indivíduo atendia pelo nome de Nélson Piquet. Aí a coisa ficava de fato feia. É inútil voltar a esse assunto, depois do que se passou. Mas o silêncio de Piquet, no dia do enterro, foi significativo – por mais que amigos seus tentem me convencer de que a melhor manifestação de dignidade dele seria a ausência. Um dia, quem sabe, eu me convença disso. Hoje, não.
Tenho, a propósito, uma bela lembrança gravada na memória. Conheci, no circuto da Fórmula 1, um garotinho lindo, de uns cinco anos, acredito, que tinha uma especial veneração pelo Ayrton -e a amizade era recíproca. Circulava pelos boxes, antes das provas, levado pelas mãos de sua mãe, Sylvia, uma holandesa habituée dos pitlanes. O garoto se chama Nelsinho. Nélson Piquet Júnior. 

Mulheres

Mulheres são figurantes. Já na minha primeira viagem aos bastidores do circuito, em Mônaco, a Fórmula 1 me ensinou essa lição. Sem meias palavras. O jogo é viril, o combustível fede e as estrelas fazem xixi de pé. Mulheres, namoradas, amantes enfeitam o cenário com seus rostinhos bonitinhos e corpinhos apetitosos. Se quiserem um papel menos subalterno, que tratem bem de seus companheiros –em casa.
Digo sem ressentimento, porque do meu namorado eu tinha o queria: amor, atenção, carinho, mãos dadas, acesso a setores proibidos, beijos roubados atrás dos boxes. Éramos o casal in love por excelência. Mas que é diferente da Fórmula Indy, por exemplo –pelo menos da Fórmula Indy como se vê na TV, não há a menor dúvida. Na Indy, mulheres permanecem nos boxes, cronometram o tempo, torcem, vibram e pulam no pescoço de seus heróis vitoriosos. Vão vestidas para a festa, naquele estilo faroeste: botas, chapelões e cabelos de mecha.
Na Fórmula 1, o figurino é jeans, camiseta e tênis. E os primeiros roncos dos motores espaventam as companheiras. Elas se metem nos motorhomes, para assistirem pelos monitores, somem nos camarotes dos patrocinadores, recolhem-se ao decorativo dever de coadjuvantes, como aqueles grã-finos falsos das novelas do Gilberto Braga. Algumas, cansadas de fazer a bonequinha de luxo, nem comparecem aos autódromos.
Vi o chefão da McLaren, Ron Dennis, cortar um dia as asinhas da mulher de Michael Andretti, a Sandy, por sinal bela figura. Acostumada aos hábitos da Indy, ela achou que poderia extravasar sua emoção perto da pista. Em compensação, a Fórmula 1, quando as máquinas se calam, é um dos lugares de maior densidade erótica do planeta –paqueras e tietagens explícitas. Não por acaso, alguns pilotos de GP trocam de mulheres como trocam de pneus. Eu disse: alguns.

``O Caminho das Borboletas - Meus 405 dias com Ayrton", de Adriane Galisteu (depoimento a Nirlando Beirão). Posfácio de Emerson Fittipaldi. Editora Caras. 220 páginas. Preço indefinido. Lançamento previsto para novembro. 



FONTE PESQUISADA

A loira que roubava beijos de Senna atrás dos boxes revela sua vida na F-1. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/10/23/esporte/7.html>. Acesso em: 02/06/2014.

‘Conto de fadas sem o final feliz’. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/10/23/esporte/8.html>. Acesso em: 02/06/2014.

Os amigos. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/10/23/esporte/9.html>. Acesso em: 02/06/2014.

Mulheres. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/10/23/esporte/10.html>. Acesso em: 02/06/2014.


FOTOS ADRIANE GALISTEU E AYRTON SENNA - IMAGES - PICTURES - IMAGENS - PHOTOS





 










Um comentário:

  1. como fico triste quando lembro de Senna,ele se foi,eu vi a corrida,foi uma tragédia pra todos,fico triste por vcs dois,o destino nao quis,mas vcs foram felizes o tempo k estiveram juntos,e deixaram uma linda estoria de amor,isso me deixa feliz!ficaram as saudades,as lembranças dos domingos de Senna,e k hoje nem assisto mais,felicidades Adriane ,bjs.

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