Em período de instabilidade econômica e incertezas sociais, tricampeão se orgulhava em carregar as cores do país no capacete e na bandeira, conquistando legião de fãs
Por Túlio Moreira - Rio de Janeiro
28/04/2014 06h00 - Atualizado em 28/04/2014
08h32
Senna Para Sempre
Globo Esporte
globoesporte.globo.com
Ayrton Senna e as cores do Brasil dominam as pistas da
Fórmula 1 (Foto: Norio Koike/ASE)
Nesta quinta-feira, o Brasil
lembra os 20 anos do adeus de um dos maiores ídolos de sua história. Em 1º de
maio de 1994, durante o fatídico GP de San Marino, no circuito italiano de
Ímola, Ayrton Senna se despediu de forma prematura de seus milhões de fãs
e compatriotas ao bater contra o muro da curva Tamburello. Duas décadas depois,
o legado do tricampeão mundial permanece forte na memória dos brasileiros. E o
GloboEsporte.com apresenta uma série de reportagens especiais para relembrar o
herói de toda uma geração. A primeira delas mostra a intensa relação de amor do
piloto com seu país.
Em 1984, Ayrton surpreendeu o
mundo ao ignorar as limitações de sua Toleman e conquistar um inesperado
segundo lugar no GP de Mônaco. Àquela época, os brasileiros já se entusiasmavam
com os feitos de seus compatriotas na Fórmula 1, como o bicampeonato de Emerson
Fittipaldi, em 1972 e 1974, e os dois primeiros títulos de Nelson Piquet, em
1981 e 1983. As façanhas de Senna, no entanto, intensificaram a adesão popular
ao esporte e contribuíram para aumentar a empolgação com as corridas da
principal categoria do automobilismo, então uma das poucas fontes de alegria
para um país que ainda lutava para sair da sombra da ditadura militar.
Diante de um contexto de incertezas políticas e instabilidade econômica, as vitórias que Senna começou a acumular a partir de 1985 o transformaram em uma espécie de “válvula de escape" para o povo brasileiro. O cenário esportivo, principalmente em relação ao futebol, também passava por uma fase de poucas glórias. Os feitos do jovem piloto paulista serviram, então, de compensação para aliviar o longo jejum de títulos da Seleção, que não ganhava uma Copa do Mundo desde o histórico tricampeonato no México, em 1970. O carisma singular de Ayrton foi o ingrediente definitivo para transformá-lo no grande herói nacional daquele período.
- Em termos esportivos, o futebol ainda era o esporte nacional, uma vez que na época tínhamos poucas ações efetivas de consolidação de um desenvolvimento poliesportivo. A Fórmula 1, por sua vez, ganhou amplo destaque a partir da figura carismática de Ayrton Senna. Fittipaldi pode ter tido sua brilhante trajetória de bicampeão ou Piquet pode ter sido igualmente tricampeão mundial se comparado a Senna; porém, nenhum deles mobilizou tantos afetos quando esse último. Senna era um mobilizador de afetos por onde passava e se construía dessa forma como pessoa e como piloto - opina Wagner Xavier de Camargo, antropólogo do Esporte e atual Pesquisador Júnior da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo).
Diante de um contexto de incertezas políticas e instabilidade econômica, as vitórias que Senna começou a acumular a partir de 1985 o transformaram em uma espécie de “válvula de escape" para o povo brasileiro. O cenário esportivo, principalmente em relação ao futebol, também passava por uma fase de poucas glórias. Os feitos do jovem piloto paulista serviram, então, de compensação para aliviar o longo jejum de títulos da Seleção, que não ganhava uma Copa do Mundo desde o histórico tricampeonato no México, em 1970. O carisma singular de Ayrton foi o ingrediente definitivo para transformá-lo no grande herói nacional daquele período.
- Em termos esportivos, o futebol ainda era o esporte nacional, uma vez que na época tínhamos poucas ações efetivas de consolidação de um desenvolvimento poliesportivo. A Fórmula 1, por sua vez, ganhou amplo destaque a partir da figura carismática de Ayrton Senna. Fittipaldi pode ter tido sua brilhante trajetória de bicampeão ou Piquet pode ter sido igualmente tricampeão mundial se comparado a Senna; porém, nenhum deles mobilizou tantos afetos quando esse último. Senna era um mobilizador de afetos por onde passava e se construía dessa forma como pessoa e como piloto - opina Wagner Xavier de Camargo, antropólogo do Esporte e atual Pesquisador Júnior da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo).
(Fotos: Montagem
sobre fotos da Agência Getty Images)
Brasil na cabeça e nas mãos
Senna soube retribuir a
admiração de seus compatriotas e, de forma espontânea, incorporou demonstrações
de amor pelo país durante suas apresentações nas pistas de todo o mundo. Além
do icônico capacete pintado nas cores verde e amarela, o piloto eternizou o ato
de erguer a bandeira do Brasil. E o gesto que acabou cativando a torcida
brasileira foi originado de uma mera provocação futebolística. A Seleção havia
sido eliminada nas quartas de final da Copa do México, em 1986, com a derrota
nos pênaltis para a França. No dia seguinte, Ayrton desbancou os franceses
Jacques Laffite e Alain Prost e triunfou no GP de Detroit. Depois de sofrer com
piadinhas dos integrantes franceses da Lotus, sua equipe na época, ele chegou
próximo ao alambrado, pediu a bandeira que um torcedor portava e tremulou o
pano para mostrar o orgulho de ser brasileiro.
A partir de então, cada vitória de Senna se tornou uma espécie de exaltação da identidade nacional, contribuindo para elevar a autoestima de uma população que recebia pouco destaque no exterior. A trajetória repleta de desafios e superações do piloto passou também a refletir as batalhas sociais e políticas que estavam sendo travadas dentro do país, palco de uma grande mobilização pela consolidação das instituições democráticas. Ayrton começou a carreira como um jovem franzino e de aparência delicada. Obstinado, dedicou-se a um rigoroso programa de evolução física e mental, até se tornar o adversário mais competitivo do grid. Justamente o exemplo que o Brasil precisava para reafirmar o valor de seu povo.
- A história de ascensão de um jovem e talentoso piloto culminou com um período de transformações sociais e políticas também de seu jovem e grandioso país. A história de vida de Senna era cheia de percalços, assim como era cheia de obstáculos a história do Brasil naquele momento. Senna estava para o Brasil assim como o Brasil estava para Senna, numa reciprocidade absolutamente consonante. Ser um atleta brasileiro competente e genial no cenário internacional, num momento em que o país era apenas conhecido pelo exotismo (futebol, floresta amazônica, carnaval e mulatas), tornava-se algo diferencial e colocava, evidentemente, a nação e sociedade brasileiras em destaque - argumenta Wagner Xavier de Camargo.
A partir de então, cada vitória de Senna se tornou uma espécie de exaltação da identidade nacional, contribuindo para elevar a autoestima de uma população que recebia pouco destaque no exterior. A trajetória repleta de desafios e superações do piloto passou também a refletir as batalhas sociais e políticas que estavam sendo travadas dentro do país, palco de uma grande mobilização pela consolidação das instituições democráticas. Ayrton começou a carreira como um jovem franzino e de aparência delicada. Obstinado, dedicou-se a um rigoroso programa de evolução física e mental, até se tornar o adversário mais competitivo do grid. Justamente o exemplo que o Brasil precisava para reafirmar o valor de seu povo.
- A história de ascensão de um jovem e talentoso piloto culminou com um período de transformações sociais e políticas também de seu jovem e grandioso país. A história de vida de Senna era cheia de percalços, assim como era cheia de obstáculos a história do Brasil naquele momento. Senna estava para o Brasil assim como o Brasil estava para Senna, numa reciprocidade absolutamente consonante. Ser um atleta brasileiro competente e genial no cenário internacional, num momento em que o país era apenas conhecido pelo exotismo (futebol, floresta amazônica, carnaval e mulatas), tornava-se algo diferencial e colocava, evidentemente, a nação e sociedade brasileiras em destaque - argumenta Wagner Xavier de Camargo.
Ayrton Senna e Brasil: combinação que inspirou
toda uma geração (Foto: Norio Koike / ASE)
Piloto 'recarregava baterias' no Brasil
Mais do que bater recordes e alcançar vitórias
espetaculares na Fórmula 1, Senna fazia questão de destacar o orgulho de
representar sua nação. Como é de praxe entre os pilotos da categoria, ele fixou
residência na Europa e passava a maior parte do ano se revezando entre os
países que compunham o calendário da competição. Mas o paulista não perdia uma
oportunidade de visitar a família e os amigos do Brasil, onde aproveitava para
"recarregar as baterias". Suas passagens pela casa de praia em Angra
dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, ou pela fazenda em Tatuí, no interior
de São Paulo, despertavam uma grande curiosidade na mídia nacional, e mostravam
que o vínculo de Ayrton com o país continuava forte, apesar da distância
imposta pela carreira no automobilismo mundial.
Atento à realidade brasileira daquela época, Senna também manifestou o interesse em contribuir para suavizar as desigualdades econômicas e sociais que marcavam o país. O piloto, consciente da responsabilidade de seu papel como ídolo nacional e “embaixador" do Brasil, começou a rascunhar a ideia de organizar projetos que seriam tocados com parte do dinheiro recebido no milionário universo da Fórmula 1. Entretanto, o sonho de ajudar a população brasileira, de forma mais enfática e direta, acabou sendo interrompido pelo acidente fatal no trágico GP de San Marino de 1994.
Atento à realidade brasileira daquela época, Senna também manifestou o interesse em contribuir para suavizar as desigualdades econômicas e sociais que marcavam o país. O piloto, consciente da responsabilidade de seu papel como ídolo nacional e “embaixador" do Brasil, começou a rascunhar a ideia de organizar projetos que seriam tocados com parte do dinheiro recebido no milionário universo da Fórmula 1. Entretanto, o sonho de ajudar a população brasileira, de forma mais enfática e direta, acabou sendo interrompido pelo acidente fatal no trágico GP de San Marino de 1994.
Ayrton Senna praticando Ski Aquático em Angra dos Reis
Esqui Aquático
Ayrton Senna com Adriane Galisteu em Angra dos Reis no Rio de Janeiro
Ayrton Senna com Adriane Galisteu em Tatuí - São Paulo
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MOREIRA, Túlio. Brasil na cabeça e nas
mãos: Senna elevou a autoestima de uma nação. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/senna-para-sempre/noticia/2014/04/brasil-na-cabeca-e-nas-maos-senna-elevou-autoestima-de-uma-nacao.html>.
Acesso em: 21 de julho 2014.
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