Chiquinho realizou o sonho de milhões de fãs, sejam adultos ou crianças
15/07/2015 – 12:00h
Depoimento a
LUIZ CARLOS FERREIRA
DO BANCO DE DADOS FOLHA
Saiu no Notícias Populares
Folha de São Paulo - f5.folha.uol.com.br
Era domingo, dia 24 de março
de 1991... Ayrton Senna conquistava o seu primeiro GP Brasil de F-1, disputado
no autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo. Foi, então, a 28ª vitória
do piloto na primeira categoria do automobilismo.
Do outro lado da cidade, no
bairro da Freguesia do Ó (zona norte), um garoto chamado Francisco Andrade
Filho, o "Chiquinho", então com 12 anos e fã incondicional de Senna,
vibrava e se emocionava com a vitória inédita do ídolo. Ainda no domingo, pouco
depois da corrida, Chiquinho ouvira na TV que Senna daria uma coletiva na manhã
seguinte, no aeroporto do Campo de Marte, em Santana, também na zona norte da
capital paulista. Inquieto, viu no evento a chance de tornar realidade o seu
maior desejo, o de conhecer pessoalmente o piloto.
Na segunda-feira, dia da
entrevista, nem a greve dos motoristas e cobradores de São Paulo, que perdurava
havia cinco dias, fez Chiquinho desistir de seu sonho. Ele caminhou por quase
cinco quilômetros da Freguesia do Ó —onde morava com a mãe— até Santana, no
Campo de Marte. A idolatria que tinha pelo piloto, somada à sua determinação,
renderam-lhe "uns dez autógrafos", alguns abraços e de quebra o boné
que Senna usava na ocasião. O jornal "Notícias Populares" publicou
reportagem em que relatava o episódio.
Vinte e quatro anos depois,
aos 36 anos, Francisco já não é mais chamado de Chiquinho, mas ainda vive na
Freguesia do Ó, onde nasceu e foi criado. Noivo há dois anos, pretende se casar
até o final de 2015, ano em que tenta se firmar como autônomo, vendendo roupas.
Aqui, ele relata como foi estar ao lado de Ayrton Senna e sobre um momento
inusitado, quando fez uma visita inesperada à casa do piloto.
*
Aquela foi uma das semanas
mais marcantes da minha vida. Morava com minha mãe na época e tinha mais duas
irmãs e dois irmãos que foram criados pela minha avó materna. Eles moravam
próximos à minha casa. Minha mãe era epilética e tinha outros problemas de
saúde, por isso não pôde criar todos os filhos. Ela morreu quando eu tinha 18
anos, de ataque cardíaco, a partir daí passei a morar só. Não conheci meu pai
—ele nos abandonou quando eu ainda era recém-nascido. Quando criança, o que eu
mais queria era ser piloto de F-1, mas minha família não tinha grana para
bancar esse sonho, então me agarrei na chance de me tornar o fã número 1 do
Ayrton Senna, o que me trouxe muitas alegrias.
Folhapress
Em 26 de março de 1991, o "Notícias Populares"
publica na capa foto de Chiquinho ao lado de Ayrton Senna
No domingo em que o Senna
ganhou pela primeira vez no Brasil, perguntei à minha mãe se eu podia matar
aula para vê-lo no aeroporto do Campo de Marte, onde ele daria uma entrevista
para jornalistas. Era uma rara oportunidade de conhecê-lo. Eu queria muito
estar perto dele, que era como um herói para mim. Pedi tanto à minha mãe, que
ela, sabendo da veneração que eu tinha, acabou cedendo ao meu pedido. A partir
daí, tive o pressentimento de que alguma coisa boa aconteceria comigo.
Na segunda-feira, dia da
coletiva, acordei às 6h30, como de costume. É que eu estudava de manhã, e
sempre saia um pouco depois desse horário. A entrevista com o Senna começaria
às 10h30. Sai de casa às 8h para chegar a tempo. Os motoristas e cobradores
estavam em greve naquele dia, por isso tive que andar por pelo menos uma hora e
meia até o aeroporto. Cheguei cerca de uma hora antes da coletiva e, para não
ter problemas com a segurança, entrei por uma viela que ficava a uns 200 metros da entrada
principal. Eu conhecia o lugar, já tinha ido algumas vezes com amigos para ver
os helicópteros pousarem e decolarem, coisa de criança mesmo.
Quando entrei no aeroporto,
havia uma quantidade muito grande de jornalistas, além de fãs e algumas
crianças que também esperavam por ele. Assim que o Senna chegou, entrei em
pânico e logo corri na direção da perua Mercedes que ele dirigia. Antes mesmo
de ele parar o carro, comecei a bater no vidro e a gritar inúmeras vezes
"Senna, eu te amo!". Queria chamar a atenção dele de qualquer jeito.
Nesse instante já havia uma pequena aglomeração de fãs próxima do carro.
Quando ele estacionou o
veículo, minha intenção inicial era abraçá-lo e, depois, pedir um autógrafo.
Mas a primeira coisa que fiz foi pedir o boné que ele usava naquele dia. É que
antes de o Senna chegar, ouvi uma voz vinda de um grupo de garotos, onde um
deles dizia que ia pedir o boné para ele. Então pensei comigo: é mais fácil o
Senna dar o boné para mim do que para eles, que estavam em mais de uma pessoa.
Por isso fui mais rápido do que eles e me sai bem nessa. Mas o Senna disse que
só me daria o boné no final da entrevista [Ayrton era obrigado a usar o boné do Nacional por causa do patrocinador], que durou cerca de uma hora. Durante
esse tempo, confesso que senti um pouco de receio de que ele se esquecesse de
mim ou então que desse o boné para outra pessoa. Mas "no fundo, no
fundo" senti que o boné seria meu.
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
Francisco Andrade Filho, o Chiquinho, no dia em que ganhou
boné de Ayrton Senna no Campo de Marte, em São Paulo
Terminada a coletiva, mais
uma vez corri na direção dele. Assim que me aproximei, ele logo colocou o boné
sobre a minha cabeça, foi quando o abracei bem forte e o agradeci muito por
aquele momento. Depois disso, fiquei ainda por um bom tempo "enchendo o
saco dele", no bom sentido, claro. O resultado do encontro, além do boné e
dos vários abraços que ganhei, foi um caderno com pelo menos uns dez
autógrafos, tamanha a minha insistência. Ele chegou a me perguntar o porquê de
tanto autógrafo, e eu respondia que gostava muito dele e que aquilo significava
muito para mim. Dali, ele seguiu de helicóptero para Angra dos Reis, no Rio,
para descansar.
Um repórter e um fotógrafo do
jornal "Notícias Populares" fizeram uma reportagem comigo nesse dia.
Na terça-feira, no dia seguinte, fui surpreendido com uma homenagem na escola
onde estudava. Naquela época, costumávamos cantar o Hino Nacional antes da
aula, e nesse dia, a diretora expôs a página do jornal do lado da bandeira do
Brasil, que ficava no pátio, para que todos vissem a reportagem. No final do
hino, todos me aplaudiram. Foi uma semana inesquecível.
VISITA INESPERADA
Dias depois da coletiva,
voltei ao aeroporto para tentar saber o endereço do Senna, e o Campo de Marte
era o único lugar que eu conhecia onde eu poderia ter essa informação. Não
tinha internet na época. Para a minha sorte, consegui o endereço com um dos atendentes
do aeroporto. Ele me disse que o Senna morava na avenida Cantareira, no
Tremembé, na zona norte. Depois disso, passei a fazer campana em frente à casa
dele, onde outros fãs também costumavam fazer "guarita". Às vezes eu
ia com um amigo, sempre na expectativa de que ele aparecesse, nem que fosse no
muro da casa. Faltei muitas vezes na escola para tentar vê-lo, e por isso minha
mãe acabou picotando o boné que eu tinha ganhado no aeroporto, o que me deixou
muito triste.
Em um desses dias, uns quatro
meses depois do encontro no Campo de Marte, fui sozinho até a Cantareira, onde
ele morava. Chegando lá estavam um segurança e um outro porteiro, de nome
Paulo. Perguntei para o primeiro se o Senna estava em casa, e ele, de forma
desprezível, me disse que o Senna estava na Europa. Mas a resposta não me
convenceu. Perguntei então ao Paulo, o porteiro, que, muito simpático, me
respondeu que sim, que o Senna estava em casa. Decidi então
esperar por algum tempo na expectativa de vê-lo de novo.
De repente, o portão da
garagem se abriu. Era a mãe do Senna, Dona Neyde. Consegui então me aproximar
dela e perguntei se eu podia entrar para dar um abraço no filho dela. Ela me
disse que o Senna estava dormindo, e que ela tinha que sair para buscar os
netos no colégio, na região do Pacaembu. Então perguntei se ela podia me dar um
beijo. Muito gentil, ela me beijou e me abraçou. Mas a vontade de ver o Senna
era tão grande que insisti com ela para me que deixasse entrar. Ela então pediu
para que eu esperasse até ela voltar do colégio. Feliz e ao mesmo tempo receoso
com a promessa, perguntei se podia ir com ela buscar os netos. E ela disse que
sim, e assim fomos ao Pacaembu.
Chegando lá, a Dona Neyde
pediu que eu a esperasse dentro do carro enquanto ela ia buscar as crianças. Eu
me lembro que, no carro, havia um acendedor de cigarro, mas na época eu não
sabia o que era. Como a minha curiosidade era grande, acabei quebrando o
aparelho. Com medo de que isso pudesse atrapalhar o meu encontro com Senna,
achei melhor não contar o que eu tinha feito e, para a minha sorte, ela acabou
não percebendo o pequeno estrago que eu tinha feito no carro. Na volta, minha
expectativa era muito grande em rever o Senna, ainda mais sendo o encontro
dentro da sua própria casa. Seria outro sonho realizado.
Quando chegamos, Dona Neyde
me levou até o quarto dele, mas, antes, bateu na porta. No momento em que o
Senna me viu, percebi que ele se mostrou um pouco surpreso com minha visita.
Ele tinha acabado de acordar e pediu para que eu esperasse um pouco enquanto
ele trocasse de roupa para me receber. Assim que me chamou, a primeira coisa
que fiz foi abraçá-lo, mas abracei de forma a não largá-lo, até que ele teve
que tomar a iniciativa para que eu "desgrudasse" dele. Perguntei se
ele se lembrava do dia em que havia me dado o boné, e ele me respondeu que sim,
que lembrava de mim, e brincando disse: "Você não desiste mesmo, né
garoto?" [Francisco se emociona ao recordar o episódio].
Ariovaldo Guariza Jr./Folhapress
Francisco Andrade Filho, o Chiquinho, aos 36 anos, posa com
fotografias do ídolo, o piloto de F-1 Ayrton Senna
No quarto havia muitos
objetos relacionados a competições da F-1, mas o que mais gostei, foi um
capacete, que até pensei eu pedir para ele, mas achei que seria muito abuso da
minha parte. O pai do Senna também estava na casa, mas não tive contato com
ele, que parecia ser uma pessoa muito séria. Depois de um bom tempo ao lado
dele, tive que ser convidado a ir embora, na maior gentileza, claro. Senão eu
ficaria por lá para sempre. No final das contas, depois de faturar outro boné e
alguns brindes como canetas, chaveiros e uma camiseta, ganhei também um lanche
e a grana para a condução. Mas, para mim, o mais importante foi estar próximo
dele. Pelo que sei, fui a única criança "desconhecida" a entrar na
casa do Senna.
No dia da sua morte, em 1º de
maio de 1994, no GP de San Marino, na Itália, minha ansiedade em ver a corrida,
por incrível que pareça, não foi a mesma de todas as competições a que assisti
antes. Acordei um pouco triste naquele dia, mas não sabia por qual motivo.
Achei que, quando a corrida começasse, eu talvez me animaria um pouco. Foi
quando, durante a corrida, vi o carro do Senna se chocando com muita violência
contra o muro, o que causou a sua morte. No dia do enterro, no Cemitério do
Morumbi, fui um dos primeiros a entrar. Algumas pessoas até me viram pela TV.
Meu sentimento era o de que o mundo tinha acabado. A partir daí, a F-1 nunca
mais foi a mesma para mim.
Folhapress
Em 26 de março de 1991, o “Notícias Populares”; publica na capa foto de Chiquinho ao lado de Ayrton Senna
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
Francisco Andrade Filho, o garoto Chiquinho, quase desaparece no meio dos jornalistas durante a coletiva de imprensa com Ayrton Senna no aeroporto do Campo de Marte, na zona norte de São Paulo
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
O pequeno Francisco, de 12 anos, que caminhou por 1h30min até chegar ao aeroporto Campo de Marte para conhecer pessoalmente o ídolo Ayrton Senna
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
Pouco antes de ganhar o boné de Senna, chiquinho posa para foto ao lado de seu maior ídolo
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
Depois de ganhar o boné de Ayrton Senna, Chiquinho dá um largo sorriso para a câmera do fotógrafo do "NP", José Maria da Silva, no aeroporto do Campo de Marte, na zona norte da capital paulista
José Maria da Silva - 25.mar.91/Folhapress
Após ser agraciado com o boné de Ayrton Senna, no aeroporto do Campo de Marte, em São Paulo, o pequeno Francisco parecia não acreditar que esteve do lado do ídolo
Ariovaldo Guariza Junior - 20.abri.2015/Folhapress
Vinte e quatro anos depois do encontro que teve com Ayrton Senna, no aeroporto do Campo de Marte, em 1991, Francisco, agora com 36 anos, posa para foto nos arquivos do extinto "NOtícias Populares"
FONTE PESQUISADA
FERREIRA, Luiz Carlos. Saiu no NP: Após
caminhar quilômetros, menino de 12 anos conhece e visita quarto de Senna. Disponível
em: <http://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2015/07/1655569-menino-caminha-1h30min-e-visita-quarto-de-senna.shtml>.
Acesso em: 15 de julho 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário