quinta-feira, 21 de julho de 2016

"Senna Não Tinha Chances', Diz Médico

Cinco anos após morte do tricampeão mundial, especialista que estava no helicóptero afirma que socorro foi inútil


FÁBIO SEIXAS
enviado especial a Imola
folha.uol.com.br
São Paulo, sábado, 1 de maio de 1999

Há exatos cinco anos, o italiano Giovanni Gordini se envolvia no que considera "o trabalho de maior impacto" de sua carreira.
Diretor do serviço de emergência do Hospital Maggiore, em Bolonha, ele era um dos dois médicos no helicóptero que tirou Ayrton Senna da pista de Imola.
Era 1º de maio de 1994. Gordini chegou à curva Tamburello dois minutos e meio após a batida. Ainda no asfalto, coordenou o primeiro atendimento ao brasileiro.
Cerca de 15 minutos depois, embarcou com outro médico, Domenico Salcito, no helicóptero que levou Senna para o Maggiore. Quatro horas e meia mais tarde, a morte do piloto era anunciada.
O acidente, na sétima volta do GP de San Marino, encerrou uma carreira de três títulos mundiais, 41 vitórias e 65 poles positions.
Senna, então com 34 anos, era apontado como o único piloto do mundo capaz de alcançar Juan Manuel Fangio, até hoje inigualável pentacampeão mundial da F-1 -o próprio argentino, morto em 1995, era defensor dessa tese.
No Brasil, parentes, amigos e fãs do piloto entraram em estado de choque. O presidente Itamar Franco decretou luto oficial. Nos dias 4 e 5 de maio, a chegada do corpo e, depois, o enterro, em São Paulo, levaram uma multidão às ruas.
A morte de Senna mudou o rumo da F-1. Seis pessoas foram processadas na Justiça italiana, sem que houvesse condenação, e a categoria passou a se dedicar mais à segurança de carros e circuitos.
A condição unânime de "melhor piloto do mundo" ficou vaga. E assim permanece até hoje.
"Sou fã do automobilismo. E, se você gostava de automobilismo na época, só poderia ser fã do Senna", disse Gordini, 45, à Folha.
Há 18 anos no hospital, o médico classifica o atendimento no helicóptero, que durou "de 12 a 15 minutos", de algo "inútil".
"Tentamos alguma forma de ressuscitamento, mas era claro que ele estava em coma profundo", afirma. "Ele morreu na pista."
Caso essa constatação fosse oficializada naquele momento, a organização da prova, pelo regulamento da F-1, cancelaria o GP.
Hoje, cinco anos depois, pouco se fala no hospital e no autódromo sobre aquele 1º de maio.
Não há grandes homenagens ou citações. A única cena familiar, para quem em 94 acompanhava o noticiário pela TV, é o helicóptero laranja, parado em frente ao hospital.
Gordini falou à reportagem da Folha, no Hospital Maggiore, sobre o atendimento ao piloto brasileiro. Contou detalhes sobre o estado de Senna e disse que se impressionou com a insistência do piloto Gerhard Berger em se despedir do ex-companheiro.
Abaixo, trechos da entrevista.

Folha - O que o sr. lembra daquele 1º de maio?
Giovanni Gordini - Eu era um dos médicos que estavam na cena do acidente. Quase todos os médicos que estavam no autódromo foram até lá. Cheguei logo depois da batida, e o deitamos no circuito.
Desde o início, estava claro que não dava para tratá-lo ali, na pista. Então pedimos o helicóptero e, até ele pousar, precisamos fazer ventilação mecânica (traqueotomia). Ele não estava respirando.

Folha - E o transporte de helicóptero até o hospital?

Gordini - De algumas formas, tentamos ressuscitá-lo, mas ele estava em coma profundo. Depois de uns 15 minutos, sua pressão sanguínea aumentou, o que era bom. Porém era claro para todos nós que ele não tinha chances. Todos os ferimentos que ele tinha na cabeça eram muito graves.

Folha - Falando honestamente, em algum momento o senhor achou que seria possível salvá-lo?
Gordini - Não. Imediatamente, eu já achava que seria impossível. Ele não perdeu só muito sangue, mas também muito material do cérebro, muita massa encefálica.
O impacto da peça do carro (o braço da suspensão dianteira direita) na sua cabeça danificou o cérebro de um modo implacável. A estabilização na pressão do sangue, então, parecia algo lateral, sem muitas consequências.

Folha - Durante toda a duração do atendimento, em algum instante Senna esboçou uma reação?
Gordini -
 Não. Ele estava num coma realmente muito profundo. Não teve nenhuma reação, nenhuma resposta ao atendimento.

Folha - Como foi trabalhar no atendimento a alguém tão famoso, uma celebridade?
Gordini - Foi um impacto tremendo. Assim que o helicóptero pousou, já havia fotógrafos esperando no heliporto do hospital. Percorremos os 400 metros até a entrada da unidade de reanimação sendo perseguidos por jornalistas. Pouco depois, já havia 100, 200 pessoas no hall do hospital.

Folha - O senhor se lembra de quem esteve no hospital?
Gordini - Uma das imagens mais fortes que ficou na minha cabeça foi a chegada do (Gerhard) Berger, o único piloto a aparecer aqui. Eu já o conhecia, porque ele havia batido em Imola (em 1989).
Ele queria entrar na unidade de reanimação de qualquer jeito. Foi impressionante ver como ele estava nervoso. Dissemos que ele não deveria entrar, porque o rosto de Senna estava devastado. Mas ele queria mesmo ver, dizer adeus. Ele entrou. E eu fiquei impressionado.

Folha - O que o senhor apreendeu desse acidente?
Gordini - Foi o trabalho de maior impacto da minha carreira. Nunca havia sofrido tanta pressão, nem nunca havia passado alguém tão famoso por aqui.
Não é fácil continuar depois que se passa por uma experiência dessas. Você repensa toda a maneira de organizar um atendimento.



Adriane Galisteu, a assessora de Ayrton, Betise Assumpção, e o ex-rival de Ayrton, Alain Prost. Na foto também aparece, atrás de Adriane, Christian Schues, marido da melhor amiga da modelo, Birgit




FONTE PESQUISADA

SEIXAS, Fábio. "Senna não tinha chances', diz médico. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk01059921.htm>. Acesso em: 21 de julho 2016.



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