segunda-feira, 16 de julho de 2018

Adriane Galisteu Descreve em Seu Livro a Ótima Relação Que Tinha Com a Família de Ayrton Senna

Ayrton Senna, Adriane Galisteu e Viviane Senna passeando de lancha por Angra dos Reis em 1994

Nossa primeira viagem internacional incluiu uma vitória, muita alegria e muito amor. Era hora de voltar à realidade - e, por mais que eu tivesse certeza de meu amor, não tinha a menor certeza de que realidade seria essa. Mas o próprio Béco - eu já podia chamá-lo assim, sem medo de parecer abusadamente íntima - me deu uma dica e uma lustrada na vaidade:
- Quero você sempre assim como você é.
- O que você quer dizer com isso? - vacilei.
- Por favor, não mude jamais. Se eu tivesse que lhe pedir alguma coisa, seria ser exatamente o que você é. Só não precisa tomar tanta Coca-Cola, freqüentar tanto McDonald's e, agora, falando sério, acho que você deveria estudar inglês.
Senti que estava implícito, ali, o convite para acompanhá-lo no circuito internacional. Foi o avião tocar o chão em Cumbica, dia 26 de maio, e eu corri para festejar com a minha melhor e mais incondicional confidente, minha mãe: - Foi um sonho!
Olhando com os olhos de hoje, entendo que houve uma conjunção favorável: meu primeiro giro no exterior com ele seria o mais gostoso de todos. Porque depois  as coisas se complicaram na pista, surgiram problemas na McLaren, as vitórias escassearam, a tensão cresceu e por mais que ele me pedisse, me implorasse, "me ajuda a separar minha vida profissional da minha vida pessoal", você sabe que nem sempre isso é possível.
- Quando estou com você, eu me esqueço dos problemas - recostava-se ele em mim. Da mesma forma, com ele eu me esquecia de meus problemas.
Minha carreira de modelo eu não tinha como abandonar. Contas a pagar, um reforcinho aqui e ali no orçamento doméstico da mamãe... Reapresentei-me na Elite e voltei à ciranda dos testes. Mas uma transformação tinha acontecido na minha vida. Definitivamente, mudei de turma.
Mesmo quando o Béco viajava sozinho, a negócio ou para correr, como aconteceu logo depois, no GP do Canadá, dia 13 de junho, era com o Leozinho Senna que eu ia jantar, com a patota de Angra, sob a estrita vigilância dos amigos dele, da velha camaradagem de Santana e da Vila Maria. Ao Léo, por exemplo, quantas vezes eu não emprestei meu ombro, para ele chorar suas dúvidas. Gosto ou não gosto da Luciana? (Luciana Sargologos, uma morenona imponente, tinha sido namorada dele por muitos anos.) Sentia-o completamente diferente do irmão. Mas gostava dele. E da Sonaly, outra modelo da Elite, um metro e oitenta de mulher que passou a acompanhá-lo em nossas jornadas de Angra. Era eu que fazia o supermercado, que ia ao Santa Luzia fazer as compras do apartamento da Paraguai. Léo e eu éramos confidentes. Para mim, nada melhor para definir uma genuína amizade. Aos 21 anos, já aprendi da vida que amizade é um produto muito mais raro do que parece ser.
Para nós, o que Angra era no Brasil, o Algarve era na Europa. Há dois anos e meio Ayrton fazia daquele cantinho ensolarado do sul de Portugal o seu mix de refúgio e escritório ao longo de toda a temporada européia - que, com uma ou outra alteração de calendário, coincidia com o período mais agradável de final de primavera, verão e comecinho de outono. De mais a mais, as férias escolares brasileiras, em julho, sempre davam chance para que a família, ou parte dela, se achegasse - como aconteceu em 1993. Pude curtir meus primeiros momentos de verdadeira  intimidade com a Zaza, mãe dele - a quem eu ainda tratava pelo cerimonioso "dona Neide". Intimidade é isso: café da manhã juntas, preparar na cozinha uma comidinha especial para o filho, sair às compras com ela e a Juraci, a caseira. Viver essas coisas banais do cotidiano. Viviane, a irmã mais velha de Ayrton, apareceu com as meninas, Bia e Paulinha. Bruno ficou com o avô na fazenda de Tatuí, treinando no seu kart.
Pude sentir, nas palavras trocadas à mesa ou à beira da piscina, o que o Béco significava para eles: o xodó, o filho vitorioso, o arrimo, o eixo, quase a motivação de cada uma daquelas vidas. Uma mulher a mais, uma namorada, seria sempre uma ameaça à ordem natural da rotina familiar, um perigo. Namoradinha, que fosse - mas  que não passasse daí. Isso eu vejo agora. Não pela cabeça naqueles dias, naquelas semanas. Eu só sabia repartir com eles, o Béco e a família, coisas boas.
Por exemplo, a vontade súbita de fazer umas comprinhas em outras cidades da Europa. O jato do Béco estava quase sempre disponível, nos intervalos entre as provas e lá fomos nós, a mãe, a irmã e as crianças para uma temporada de aquisições em Londres. Sendo que, uma tarde, saindo só nós duas, Bia e eu, ela simplesmente evaporou, dentro da Harrods. Eu, desesperada, descabelada, procurando. Nada. Perguntei por ela, no meu inglês estropiado. Nada. Fui até a porta. Nada. Meu desespero me obrigou  a uma última saída:
- Biiiiaaaaaa!
Dei um berro que toda a gigantesca loja de departamentos ouviu.
Inclusive ela, ainda bem. Calmamente, experimentava roupa num daqueles provadores.
Próxima escala: Paris. Desembarcamos no hotel e saímos em disparada, à procura de um táxi. Estava tudo estranhamente calmo. O porteiro nos deteve:
- Mesdames, vocês sabem que dia é hoje?
14 de julho, feriado nacional. Tudo fechado. E só tínhamos mais um dia. Saímos assim mesmo, lambendo as vitrines. Conseguimos descobrir duas lojinhas antipatrióticas: uma de perfumes, outra de cristais.
Béco foi nos encontrar lá, já a caminho dos testes do GP da Alemanha. Abriu nossos quartos e quase desmaiou:
- Vocês estão malucas?
Teve a pachorra de contar: 38 malas, para quatro mulheres. O paciente Mahonney conseguiu acomodá-las, todas, no avião. Posou, antes, para uma foto que mostrasse toda aquela bagagem. Simpaticíssimo personagem, do qual sentirei falta, o Mahonney. Lembro-me de que ele reclamava apenas de uma coisa: de tão próximo do Béco, nunca ninguém se lembrara de fotografá-los juntos, piloto e piloto. Soube, aliviada, que às vésperas do acidente fatal em Ímola a foto foi feita.



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Descemos. Esperava por mim um Uno Mille Electronic zero, prata, igualzinho ao que eu queria comprar. Com um buquê de rosas no capô e o detalhe da chapa: DRI 7770. Só faltava laçarote e papel celofane.

- Isso é um presente de agosto.
- Mas por que agosto? - estranhei. - Não é Dia dos Namorados, não é nada...
- Por isso mesmo: não tem data nenhuma. É um presente de agosto.
Enchi o Béco de beijos. Fiquei sem palavras. Entrei como louca no carro e corri para mostrar a minha mãe. Liguei também para a mãe dele:
- Ganhei um carro novinho.
- Ele me contou - disse a Zaza. - Vem cá que eu quero dar uma volta.
Zaza, Bia, a sobrinha mais velha, e eu, lá fomos nós - depois, jantamos todos no apartamento do Pacaembu. Nosso convívio na Europa me dava a idéia de fazer parte da família. A Bia - Bix, eu a chamava - era como uma irmã mais novinha. Passamos aquele fim de semana na fazenda de Tatuí e, na volta, acompanhei a Zaza ao shopping. Éramos confidentes de copa e cozinha, do tipo de ficar conversando enquanto se fazem as unhas. Tanto que, depois de levar o Béco ao aeroporto, no Mercedes dele, naquela noite de terça-feira, 24 de agosto, para Frankfurt e, de lá, para o GP da Bélgica, fiz o que achei mais natural: Eu fui dormir na casa dos pais dele, na cama dele.

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Senna foi buscar a mãe, a irmã e a namorada Adriane, que estavam em Paris, para levá-las para a casa que alugou em Fontveille, ao lado de Montecarlo. Amanhã, todos seguirão para o Algarve, em Portugal, onde o piloto ficará até a ida para Hockenheim, marcada para quinta-feira de manhã. (jornalista Celso Itiberê, jornal O Globo, 16 de julho de 1993)




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Natal, para mim, é um convite à tristeza. Desde que meu pai morreu, em 1989, era como se a festa não existisse. Ele faleceu em outubro, como eu já contei, numa  situação inesperada, de repente - e nossa casa nunca mais foi a mesma. Minha avó materna, Agnes, que morava ao lado, tipo da mulher determinada, uma fortaleza, ainda tentava levantar nosso astral, naquele dia de má memória, recorrendo a velhas receitas de rabanadas e pães húngaros rabiscadas em cadernos antiquíssimos - e, num ano do qual não me lembro, mamãe, que sempre foi mais desanimada que vovó, bem que preparou um peru recheado com farofa e ameixas. Mas a gente não cultivava o ritual da ceia. Era um jantar comum, quem quisesse se servir que se servisse e nada de árvore enfeitada, os presentes ficando esparramados por aqui e por ali. Cada um de nós buscava, no Natal, um certo recolhimento para cicatrizar a nossa grande ferida na alma que era a ausência prematura de papai.

Agora, porém, era diferente. Béco e eu voltamos da Europa, vivíamos sob o mesmo teto no apartamento da Rua Paraguai, compartilhávamos os mesmos amigos, saíamos para jantar invariavelmente juntos, éramos dois namorados na plena acepção da palavra - se não havia aliança de noivado, sobravam intimidades do tipo dormir na mesma cama na casa da mãe e do pai dele, no Pacaembu. Sentia, no íntimo, que ele até gostava de me mostrar um pouquinho. Meu Natal, portanto, seria com ele. Zaza, pessoalmente, reiterou o convite. Quatro ou cinco dias antes,  toda a família se deslocaria para a fazenda de Tatuí, e a festa teria o duplo sentido de celebrar a ceia com filhos, sobrinhos, genros, noras e de inaugurar o casarão novo, todo restaurado.
Árvore de Natal, presentes que se acumulavam ao pé do pinheiro, a expectativa da criançada, os passeios a cavalo por aquele paraíso, as nossas pescarias, as competições de kart na pista particular construída segundo o traçado de quem começara sua carreira ali, a torcida pelo sobrinho Bruno, filho da Viviane e promessa de campeão - naquela preguiça dos compridos cafés da manhã, de almoços deliciosos e cheios de falatório e de tardes iluminadas como aquela em que um fotógrafo italiano, conhecido do Ayrton, fez nosso ensaio amoroso que correu o mundo, resgatei um  pouco da alegria da data do nascimento de Cristo.
Eu me sentia absolutamente em família, com a primazia do lugar de honra ao lado do príncipe da casa. Nem mesmo àquelas eventuais alfinetadas que cheguei a ouvir, em relação a antigas namoradas de Ayrton, especialmente a mais famosa delas, eu quis atribuir alguma intenção malévola. Iludia-me com a idéia de que, no fundo, o que eles - elas, seria mais correto dizer - queriam era me agradar.
O casarão tinha cheiro de novo, entulho das últimas obras e um quarto feito sob medida para nós. Nosso quarto tinha espaço suficiente para resguardar a intimidade recíproca tanto quanto para atulhar os armários de creminhos, loções e lavandas. Como sempre, não estranhei cama ou ambiente, mas fui despertada de madrugada por uma algazarra monumental e pela ausência dele, a meu lado, na cama. Corri para a janela e assisti a uma cena que faria a delícia daquelas câmeras indiscretas de programas como o do Faustão - que, todo domingo, era também, de uma certa maneira, um bem-vindo hóspede nosso.

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Realmente uma pena! A Fazenda no interior de TATUÍ/SP, onde possuía uma verdadeira mansão,  não conseguiu aproveitar nada.. terminou de construir no final de 1993 e ele faleceu em maio de 1994...quem usufrui tudo lá hoje em dia é seu pai, já bem idoso e sozinho, pois os outros membros [da família] querem é estar em outros lugares. Deixou tudo para a família.. uma bela mansão e fazenda. (Sandra A., moradora de Tatuí, via redes sociais)


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Mais fotos de Adriane Galisteu com a família de Senna





 Ayrton Senna, Viviane Senna (irmã de Ayrton), Adriane e Bruno Senna (sobrinho) no GP Brasil 1994

Adriane e Ayrton em Hocknheim na Alemanha e atrás a sobrinha de Ayrton, Bianca e a mãe do piloto dona Neyde

Ayrton, Viviane, Bruno, Adriane e um funcionário da Williams no GP Brasil 1994

Ayrton Senna, Viviane Senna (irmã de Ayrton), Adriane e Bruno Senna (sobrinho) no GP Brasil 1994

Bruno, Adriane e Ayrton cavalgando na fazenda Tatuí em 1994


Bruno, Adriane e Ayrton cavalgando na fazenda Tatuí em 1994

Leonardo Senna (irmão de Ayrton), Ayrton Senna e Adriane Galisteu



Adriane, Leonardo (atrás) e Ayrton




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MULHER IDEAL



Ayrton estava muito feliz com Adriane pois encontrou finalmente uma mulher que se mantivese ao seu lado nas viagens, se sentia solitário e já maduro, pelas entrevistas, falava de formar uma família e isso só seria possível ao lado de uma mulher disposta a renunciar muitas coisas, e ela deu essa prova de amor.

Marcia Lima, através do Youtube em 2016.




A chegada de Adriane a Portugal marcaria o início de um longo período vivendo juntos quando Ayrton não voltaria ao Brasil por seis meses, algo que ele nunca tinha feito antes. Provavelmente eles se casariam no fim desse período. - Tom Rubython, biógrafo de Ayrton Senna, em seu livro The Life of Senna.


"Ayrton realmente amava Adriane e ela não era mais uma garotinha na vida dele, como ele falou para pessoas chegadas..." - Francisco Santos, biógrafo de Ayrton Senna, em seu livro “Ayrton Senna Saudade”.

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FONTES PESQUISADAS

GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A., novembro de 1994. 

ITIBERÊ, Celso. Senna já se considera líder do mundial. O Globo, 16 de Julho de 1993, Matutina, Esportes, página 24.

RUBYTHON, Tom. The Life of Senna. 1º Edição Sofback. London: BusinessF1 Books, 2006.

SANTOS, Francisco. Ayrton Senna Saudade. Edição Brasileira. São Paulo: EDIPROMO, 1999.

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