No final do livro tem a explicação:
Na fazenda, passei a ter medo
das noites e dos sonhos. Trouxe minha mãe para perto de mim. Queria que ela
ficasse acordada a meu lado, vendo um vídeo atrás do outro, até que as minhas
forças cedessem. De dia, voltei a correr. Quarenta e cinco minutos. Falava em
voz alta, enquanto corria:
- Tá vendo? Fica aqui do meu
lado. Era isso que eu queria mostrar para você: que podia correr com você... Descobri
um caminho que eu chamava de trilha das borboletas. Antes de ir embora, Braga
fez um giro por toda a fazenda comigo e fiquei deslumbrada com aquele lugar,
perto de uma cachoeira, muitas árvores serpenteando por um caminho
natural e uma quantidade incrível de borboletas, de todas as cores, de todos os
tamanhos, de desenhos diferentes, tantas que você corria e elas vinham de
encontro a você. No caminho das borboletas tinha uma pedra.
Grande e lisa. Não sei por
que a escolhi entre tantos lugares tão bonitos da fazenda, mas era passar ali e
me vinha à cabeça aquela idéia do reencontro: "Béco, você podia vir me ver
um dia, aparecer por aqui".
Outra coincidência dava
relevo àquela pedra. Toda vez que eu entrava no carro, para uma volta em
Campinas ou nas redondezas, tinha alguns CDs à mão. Simone, Phil Collins.
Também deles eu tinha pânico - com certeza, iam me remeter para algumas
situações muito especiais passadas com ele. Mas tinha um Milton Nascimento,
velhíssimo, ou tipo os melhores momentos, não sei - só sei que era Milton
direto, Milton, não, só aquela música dele, muito antiga, que me disseram
chamar Travessia, que dizia coisas como "solto a voz nas estradas, eu não
posso parar; meu caminho é de pedra..." Outro trecho impressionante:
"Eu não quero mais a morte". Como aquilo me tocava. Não querer a
morte era manter a memória dele viva - foi nesse exato momento que eu decidi
deixar para a posteridade as coisas que eu conto agora.
No dia da despedida da
Guariroba, antes de seguir para o Rio e, depois, para Lisboa, voltei lá na
pedra. Eram cinco da tarde, mais ou menos, de um dia muito frio; o sol já quase
não se manifestava e eu quis passear, dar um adeus àquele lugar que tinha me
dado um abrigo tão reconfortante. Com minha Bíblia na mão, me encaminhei quase
automaticamente em direção à pedra. Abri o livro sagrado para ler, mas o
fechei. Por mais de uma hora, eu falei. Sem parar, em voz alta - a minha
própria e desesperada oração. Pedia para sair dali purificada de corpo e alma.
Deixar para trás as mágoas, os maus sentimentos, revolta, dor, decepção,
injustiça. Que a tempestade me fortalecesse. Aí, sim, abri a Bíblia. Por
acaso, juro, no Salmo do Perdão.
Béco não apareceu naquela
pedra. Mas, não sei por quê, eu o sentia perto, muito perto. Continua pertinho,
aqui, do meu lado. E do lado de todos os que o amaram verdadeiramente.
FIM
FONTE PESQUISADA
GALISTEU, Adriane. Caminho das Borboletas. Edição 1. São Paulo: Editora Caras S.A.,
novembro de 1994.
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