Senna e Neco se encontraram como kartistas e marcaram um
capítulo de Tarumã. Fotos Arquivo pessoal
Senna e Parilla, muito trabalho nos boxes para tentar fazer
a gauchada comer poeira. Eduardo Tavarez/CP Memória
Porto Alegre, 09 de Julho de
2015
Correio do Povo – Pitlane –
correiodopovo.com.br/blogs/pitlane
“Cadê aquele gauchinho que
andou comigo e me deu um toque?”, perguntou o jovem piloto de 22 anos ao descer
do seu kart em Tarumã, no kartódromo internacional de Viamão. Ele procurava o
porto-alegrense Neco Fornari, grande surpresa do Panamericano de Kart naquele
ano, a ponto de impedir que o paulista passeasse rumo ao título internacional.
O ano era 1982 e muito em breve todos os brasileiros passariam a se acostumar
com o nome daquele jovem: Ayrton Senna da Silva.
Três dias antes, uma
quinta-feira dia 9 de dezembro, Senna desembarcou em um voo da Varig no
Aeroporto Salgado Filho. O piloto já era considerado uma grande promessa do
Brasil, tendo vencido de forma arrebatadora os campeonatos ingleses de Fórmula
Ford e Fórmula 2000, onde recebeu o apelido de “Silvastone”, pelas vitórias no
autódromo britânico de Silverstone. A passagem em solo gaúcho era a última
oportunidade de buscar um troféu internacional no kart antes de embarcar de
cabeça na Fórmula 3, caminho para a Fórmula 1.
Batalha: Senna via Neco ou Russo baixarem tempo e ia à pista
derrubar os cronômetros. CP Memória
O convite para vir ao Rio
Grande do Sul foi feito por um dos organizadores do campeonato, Delmar da Rosa,
que recebeu Ayrton no terminal junto com Achille Parilla, fundador da DAP,
equipe e fabricante italiana de motores e chassis para kart. “Eles
montaram uma grande estrutura para fornecer chassis, motores e pneus reserva ao
Senna. Era algo que ainda não se tinha visto em Tarumã”, lembra Fornari.
Momento raro de descontração nos boxes, mas sempre de olho
na máquina. Eduardo Tavarez/CP Memória
O cartão de visitas para
justificar tamanho investimento veio logo nos primeiros treinos daquela
quinta-feira. “Ele chegou aqui, botou o kart na pista e bateu o recorde de
primeira, virando 35s03. Antes o tempo de volta era 37s”, destaca Fornari.
Enquanto alguns pilotos ficaram impressionados, outros buscavam um jeito de se
aproximar da jovem promessa. “Demoraram para chegar no ‘temporal’ que Senna
marcou, mas eu nunca me esqueço do que aconteceu: na última hora, o Neco foi
para a pista enquanto o Ayrton olhava da carroceria do caminhão, com o
cronômetro na mão, e viu o gaúcho derrubar o tempo, com 34s”, revela Delmar.
“No mesmo instante, enquanto os mecânicos já se preparavam para guardar as
coisas, o Ayrton mandou baixar tudo na pista e foi lá dar a resposta. Mais um
recorde”, relembra.
Depois da batalha no primeiro
dia de treinos, Ayrton voltaria para o Hotel Continental, em frente à
Rodoviária de Porto Alegre, onde estava hospedado, para manter a rotina
obstinada de um atleta. “Só tomava água mineral. Ia dormir às 19h30min e
acordava também às 7h30min”, garante Da Rosa. Nada, no entanto, que o
impedisse de aceitar o convite do concorrente Waldir Buneder para um churrasco.
“Ele aceitou meu convite e deu de presente um jogo de pneus Bridgestone que
ainda guardo na minha casa”, recorda Buneder. Na cobertura do piloto gaúcho, no
bairro Mont’Serrat, um ainda pouco conhecido Ayrton não deixou de
experimentar a carne, mas recusou cerveja e refrigerante, mantendo-se só na
água mineral.
Buneder lembra que, apesar do
ambiente descontraído dos convidados, o assunto continuou sendo automobilismo,
mais precisamente os diversos aspectos técnicos de carros e karts. “Aprendi
muito e ele me comentou naquela janta, que além de tentar ser o melhor, tratava
sempre de ir atrás dos melhores pacotes técnicos. Sempre para buscar vitórias,
nada de ‘bons resultados’”, destaca o anfitrião, que no futuro seria campeão
brasileiro em diversas modalidades do automobilismo. “Também reparei que
ele ficava com o time até ninguém ter mais dúvida alguma e tratava todos que
estavam trabalhando ali como uma família”, acrescenta.
Na sexta-feira e no sábado
vieram mais treinos e as tomadas classificatórias para a corrida. A rotina era
a mesma em todas as horas de kartódromo aberto. “Ele não saía enquanto
estivesse alguém treinando. Se alguém baixava o tempo, mandava botar o kart na pista,
ia lá e baixava de novo. Ele guiava mais que os carros, extrapolava limite”,
frisa Delmar da Rosa. Ainda assim, naquela vez, Senna teve de se contentar com
o segundo lugar na largada, já que a pole position ficou com o paulista Renato
Russo.
Logo na primeira corrida, no entanto, Ayrton disparou um golpe psicológico com uma técnica que desenvolveu na Europa e criou escola no kartismo.
Ayrton se mandou na largada, mas ainda não contava com a
aproximação de Fornari empenho
“Ele regulava a mistura de
combustível no motor, enquanto guiava apenas com a mão esquerda”, explica Da
Rosa. “Já na primeira volta antes da largada ele ficava mexendo no motor e
mantendo a mistura ideal em uma velocidade bem lenta”, testemunhou Buneder.
“Quando veio a bandeirada, o motor dele estava limpo, mais forte, enquanto os
demais tinham tudo empapado de óleo. Passou a reta e já tinha sobrado dos
demais. Na frente desse cara não se anda”, foi a impressão do adversário.
Fornari manteve a perseguição, mas perdeu a chance da
ultrapassgem ao se precipitar
Neco Fornari, que largou em
terceiro, não desistiu, passou Russo e, para própria surpresa, começou a
encostar. Mesmo com um chassis inferior, mostrava-se competitivo. “Mas aí caí
numa armadilha. Na quinta ou sexta volta cheguei demais. Vi um espaço e ia
tentar colocar por dentro na curva em U que tinha no antigo traçado, mas ele
veio para cima”, conta Fornari. “Aí tivemos um toque e ele me matou na malandragem.
Quando a gente brecou, evitamos o roda com roda e meu motor ficou sem potência,
acabei empurrando ele, que abriu para ganhar a corrida”, descreve o rival,
comparando ainda com uma manobra que ficou famosa muitos anos depois. “Foi
parecido com a armadilha que ele caiu para o Alain Prost em 1989, com a
diferença de que o Prost bateu mesmo nele para ganhar o campeonato”.
Neco Fornari e o cartaz do Mundial de 81, quando viu Senna
competir a primeira vez
Depois da bandeirada, Ayrton
ensaiou uma brincadeira, mas não conseguiu disfarçar que estava irritado em ter
um concorrente tão próximo. “Ele ficou bravo com o toque, mesmo ganhando. Tanto
que ele parou no parque fechado e saiu falando ‘Cadê aquele gauchinho que bateu
em mim’”, relembra Fornari. Na segunda bateria, o domínio foi total do
“Silvastone”, mas o rival gaúcho ainda se manteve em segundo com chances de
título. Na hora de alinhar para a terceira corrida, contudo, o motor de Fornari
quebrou e Senna correu sem concorrentes para a terceira vitória em três
baterias.
Na despedida, dia 12 de
dezembro no Salgado Filho, Delmar ainda emendou uma pergunta profética. “Já
estou conversando com um futuro campeão de Fórmula 1?”. A resposta foi
encabulada e inaudível, conforme o organizador do evento, “mas ele ficou
contente com a previsão e abriu um sorriso”.
No ano seguinte Ayrton se transformaria
para valer em Senna e faria os primeiros testes na Fórmula 1, impressionando
com Williams, Brabham, McLaren e Toleman. Venceu o campeonato inglês de Fórmula
3 e, por fim assinou com a Toleman. Menos dois anos depois de vencer o último
título no kart, a grande promessa do automobilismo brasileiro estreou na
Fórmula 1 no GP do Brasil de 1984. O resto é história.
FONTE PESQUISADA
Quando Ayrton Senna foi campeão continental
de kart em Tarumã. Disponível
em: <http://www.correiodopovo.com.br/blogs/pitlane/?page_id=22045>.
Acesso em: 09 de julho 2015.
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