Postado por Bernardo Bercht em 1 de maio de 2015
Senna puxando a fila em Tarumã, com Neco "na
pressão". Foto Arquivo Pessoal
Durante a realização do especial dos 20 anos da morte de Ayrton Senna, no ano passado, reunimos extenso
material a partir de grandes entrevistas com rivais do tricampeão de Fórmula 1.
Muitas passagens interessantes acabaram recebendo destaque secundário, ou nem
foram para a reportagem principal. Agora, nos 21 anos, a gente recupera as
falas dos adversários do kart Maurizio Sandro Sala, o gaúcho Neco Fornari e o
maior rival Terri Fullerton; e acrescenta o depoimento do adversário nas pistas
inglesas Enrique Mansilla, para traçar um perfil de pilotagem do piloto mais
consagrado do Brasil. Acima, assista à entrevista com o preparador [de kart] e
ex-piloto Neco Fornari, que em 1981 duelou em Tarumã com Senna.
Senna disputou 161 corridas
durante 10 anos na Fórmula 1, mas até chegar lá sua jornada pelo automobilismo
foi bem mais extensa. Num total de 18 anos nas pistas, divididos entre kart,
Fórmula Ford, Fórmula 2000 e Fórmula 3, o tricampeão transformou muitos pilotos
em rivais e fez algumas amizades nos bastidores. Parte dessa história que
formou o tricampeão mundial pode ser contada nos trechos abaixo.
A dedicação do Ayrton sempre
foi enorme. Ele quase sempre se deu melhor que eu, era mais rápido e tinha essa
necessidade de ser. Superei para valer apenas em uma prova com chuva, na qual o
Ayrton acabou batendo e talvez tenha reforçado os treinos dele no molhado. Eu
acredito que ele não “curtia” o automobilismo, não era um apaixonado como eu,
por exemplo. O Ayrton era dedicado, sim, a ser o melhor. Acredito que se ele
fosse jogar tênis, também trabalharia até ser um dos melhores do mundo. (Sandro
Sala)
Um amigo obstinado
Troca de informações acabou em acidente dos companheiros de
Formula Ford, Quique e Da Silva
Comigo sempre foi um cara de
grande coração. Era muito eficiente e introvertido, com uma grande cabeça que
lhe permitia trabalhar de uma maneira muito séria. Acredito que isso foi
aplicado em toda a sua vida. Era uma pessoa muito intensa, ainda mais quando
colocava o capacete. Era arrojado e lutador, tanto que nas fórmulas de base
teve vários acidentes quando não ganhava, acabou até em cima do carro de Martin
Brundle, em Oulton Park
em 1983.(Quique)
"Acabou até em cima do carro de Martin Brundle, em Oulton Park em
1983" (Quique)
O jovem Ayrton era muito
focado nos automóveis
Ele era muito introvertido.
Frequentava a minha casa, onde usualmente iam os pilotos da época, pessoal que
corria em Interlagos, pilotos de moto também para se divertirem, falar bobagem…
Mas o Ayrton ficava mesmo no assunto das corridas, da pista; ele era pouco
enturmado para festas e outras questões sociais. (Sandro Sala)
O Ayrton era calado, vivia
seu mundo, comentava muito da parte técnica. O automobilismo tomava conta dos assuntos. (Quique)
O Ayrton era muito dedicado.
Ele não pensava nisso (festa e badalação) em certas horas, pois estava focado.
Foi ele quem puxou aquilo de ginástica, ser atleta e ter toda aquela
obstinação. Aí o pessoal meio que confundiu, ainda teve a brincadeira do Piquet
de que não gostava de mulher… Já viu… Eu acredito que ele não estava prestando
atenção nisso e o Piquet sempre me falou que era tudo uma piada, que nunca
acreditou naquilo tudo. (Neco Fornari)
Da ajuda às vias de fato…
Dupla sul-americana dominou os campeonatos britânicos em
1981, mas quando se topavam era encrenca
Das nossas disputas em 1981,
lembro de um momento bacana, mas que também criou grande rivalidade na quarta
prova do ano, em
Mallory Park. Ayrton vinha atrás de mim e depois que saímos
do carro, me disse. “Quique, você está errando aqui e ali. Na próxima volta me
siga que vou te mostrar as linhas”. Assim aconteceu, fui atrás ele classificou
na pole, eu em segundo.
Na corrida, larguei bem e
fugi da briga, pulei para primeiro, enquanto Ayrton brigava com o inglês Rick
Morris e outros. Mas faltando duas ou três voltas ele conseguiu se livrar dos
adversários e veio para cima. Aí tivemos um famoso “contato”. Ele interpretou
que eu havia tocado por intensão, apesar dele ter batido. Ali começou alguma
rivalidade, pois até então como pessoas não tínhamos qualquer problema. O
chefe, Ralph Firman, teve de nos separar, cada um correndo no seu campeonato. (Quique)
Senna parte para briga e aperta o pescoço do rival em um dos vários desentediamentos que os dois tiveram
De onde surgem os Ayrtons
Para termos um grande piloto
como Ayrton, o mais importante é desenvolver a personalidade de um vencedor, de
um grande competidor quando o garoto é jovem, dos 9 aos 13 anos. Não apenas a
habilidade, mas o espírito e atitudes vencedoras. O desenvolvimento físico é
muito importante, mas é preciso concentrar muito no aspecto mental do esporte. (Fullerton)
1º de maio de 1994
Senna perseguindo Sala na chuva, na adolescência, uma
oportunidade rara de liderar o tricampeão
Estava velejando quando
Ayrton morreu, naquele primeiro de maio. Me choquei com a morte, mas não o
acidente. Pela postura dele, de sempre explorar o limite, a “carreira” dele não
ia terminar de uma maneira normal. Não dava para esperar que ele “deixasse” as
corridas simplesmente.(Sandro Sala)
A última vez que o encontrei
em pessoa foi no Grande Prêmio de Phoenix, quando já tinha saído do
automobilismo, em 1991. Como estava nos Estados Unidos, chamei Ayrton e Martin
Brundle para almoçamos juntos. Foi nosso último contato pessoal em que falamos
bastante de Fórmula 1, pois ele tinha sido campeão mundial. Acompanhei pela TV
o acidente em 1994. Fiquei muito triste e abalado, pois tínhamos a mesma idade
e via ele como um garoto de origens parecidas e o mesmo sonho. (Quique)
Toleman na chuva, o show em
Mônaco
Isso não vai dar certo... E não deu, Senna travou rodas, e
colidiu com Mansilla em
Mallory Park
A corrida mais impressionante
do Ayrton foi aquela de 1984 em Mônaco com a Toleman. Mostrou para todo mundo o
que ele podia fazer, quem estava vindo ali. Ele foi fantástico também no ano
seguinte em 1985, assim com em Donington 1993, tinha um controle do carro
diferenciado na chuva.(Fullerton)
Rival assistia F-1 por causa
de Senna
Eu não era um grande fã de
Fórmula 1 naquela época, mas acompanhei muitos momentos do Ayrton, exatamente
por ter sido meu adversário. (Fullerton)
Divisão dos garagistas e
“patrocinados”
Senna atravessando à frente de Sala. Rivalidade que seguiu
para Europa, ainda que em categorias diferentes
A gente se encontrou na
Europa algumas vezes quando fui para lá. Ele acabou viajando dois anos antes e
eu concorria era contra o Maurício Gugelmin (também piloto), que morava com o Ayrton e se
tornou amigo. Ali tinha uma rivalidade emprestada, por competir contra o
parceiro de residência, daí e a gente nunca trocou informações ou acabou
tentando se ajudar. Sempre foi muito grande essa “disputa”.
Tinha uma certa divisão, pois
eu e o Roberto Moreno fomos os únicos pilotos a irem para Europa sem apoio de
qualquer patrocinador. A gente era da turma garagista, que dormia no fundo da
oficina, enquanto o Senna e até o Piquet tiveram uma estrutura melhor. O Ayrton
morava numa casa e tinha um carro para se locomover perto do autódromo. Eu
morava longe de tudo e acompanhava sempre a equipe. (Sandro Sala)
A última confusão dos latinos
Um dia, em Brands Hatch pela
Fórmula Ford, o Alfonso Toledano pressionava o Ayrton, que passava Alfonso e
vinha para cima de mim (Mansilla), todos da mesma equipe destruindo seus
carros. Enquanto isso, o inglês Rick Morris aguardava de camarote. Brigamos
tanto que Morris passou. Quando ele subiu ao pódio declarou: “muito obrigado
aos pilotos do Ralph Firman por me deixarem ganhar”. Ralph ficou furioso e nos
deu o ultimato. “Ou correm de forma civilizada, ou mando os três embora”. (Quique)
Cartaz promocional da prova que os latinos Senna e Mansilla
"deixaram" o inglês Rick Morris ganhar
REFERÊNCIA
BERCHT, Bernardo. Rivais no Brasil e Europa
analisam Ayrton Senna nos 21 anos da morte da lenda. Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/blogs/pitlane/?p=25919>.
Acesso em: 10 de julho 2015.
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