sexta-feira, 10 de julho de 2015

Rivais No Brasil e Europa Analisam Ayrton Senna Nos 21 Anos da Morte da Lenda

Postado por Bernardo Bercht em 1 de maio de 2015 


Senna puxando a fila em Tarumã, com Neco "na pressão". Foto Arquivo Pessoal

Durante a realização do especial dos 20 anos da morte de Ayrton Senna, no ano passado, reunimos extenso material a partir de grandes entrevistas com rivais do tricampeão de Fórmula 1. Muitas passagens interessantes acabaram recebendo destaque secundário, ou nem foram para a reportagem principal. Agora, nos 21 anos, a gente recupera as falas dos adversários do kart Maurizio Sandro Sala, o gaúcho Neco Fornari e o maior rival Terri Fullerton; e acrescenta o depoimento do adversário nas pistas inglesas Enrique Mansilla, para traçar um perfil de pilotagem do piloto mais consagrado do Brasil.  Acima, assista à entrevista com o preparador [de kart] e ex-piloto Neco Fornari, que em 1981 duelou em Tarumã com Senna.

Senna disputou 161 corridas durante 10 anos na Fórmula 1, mas até chegar lá sua jornada pelo automobilismo foi bem mais extensa. Num total de 18 anos nas pistas, divididos entre kart, Fórmula Ford, Fórmula 2000 e Fórmula 3, o tricampeão transformou muitos pilotos em rivais e fez algumas amizades nos bastidores. Parte dessa história que formou o tricampeão mundial pode ser contada nos trechos abaixo.

Dedicação


Paulistas foram rivais no kartismo paulista dos anos 70. Fotos arquivo pessoal

A dedicação do Ayrton sempre foi enorme. Ele quase sempre se deu melhor que eu, era mais rápido e tinha essa necessidade de ser. Superei para valer apenas em uma prova com chuva, na qual o Ayrton acabou batendo e talvez tenha reforçado os treinos dele no molhado. Eu acredito que ele não “curtia” o automobilismo, não era um apaixonado como eu, por exemplo. O Ayrton era dedicado, sim, a ser o melhor. Acredito que se ele fosse jogar tênis, também trabalharia até ser um dos melhores do mundo. (Sandro Sala)

Um amigo obstinado



Troca de informações acabou em acidente dos companheiros de Formula Ford, Quique e Da Silva

Comigo sempre foi um cara de grande coração. Era muito eficiente e introvertido, com uma grande cabeça que lhe permitia trabalhar de uma maneira muito séria. Acredito que isso foi aplicado em toda a sua vida. Era uma pessoa muito intensa, ainda mais quando colocava o capacete. Era arrojado e lutador, tanto que nas fórmulas de base teve vários acidentes quando não ganhava, acabou até em cima do carro de Martin Brundle, em Oulton Park em 1983.(Quique)


"Acabou até em cima do carro de Martin Brundle, em Oulton Park em 1983" (Quique)

O jovem Ayrton era muito focado nos automóveis

Ele era muito introvertido. Frequentava a minha casa, onde usualmente iam os pilotos da época, pessoal que corria em Interlagos, pilotos de moto também para se divertirem, falar bobagem… Mas o Ayrton ficava mesmo no assunto das corridas, da pista; ele era pouco enturmado para festas e outras questões sociais. (Sandro Sala)

O Ayrton era calado, vivia seu mundo, comentava muito da parte técnica. O automobilismo tomava conta dos assuntos. (Quique)

O Ayrton era muito dedicado. Ele não pensava nisso (festa e badalação) em certas horas, pois estava focado. Foi ele quem puxou aquilo de ginástica, ser atleta e ter toda aquela obstinação. Aí o pessoal meio que confundiu, ainda teve a brincadeira do Piquet de que não gostava de mulher… Já viu… Eu acredito que ele não estava prestando atenção nisso e o Piquet sempre me falou que era tudo uma piada, que nunca acreditou naquilo tudo. (Neco Fornari)

Da ajuda às vias de fato…


Dupla sul-americana dominou os campeonatos britânicos em 1981, mas quando se topavam era encrenca

Das nossas disputas em 1981, lembro de um momento bacana, mas que também criou grande rivalidade na quarta prova do ano, em Mallory Park. Ayrton vinha atrás de mim e depois que saímos do carro, me disse. “Quique, você está errando aqui e ali. Na próxima volta me siga que vou te mostrar as linhas”. Assim aconteceu, fui atrás ele classificou na pole, eu em segundo.
Na corrida, larguei bem e fugi da briga, pulei para primeiro, enquanto Ayrton brigava com o inglês Rick Morris e outros. Mas faltando duas ou três voltas ele conseguiu se livrar dos adversários e veio para cima. Aí tivemos um famoso “contato”. Ele interpretou que eu havia tocado por intensão, apesar dele ter batido. Ali começou alguma rivalidade, pois até então como pessoas não tínhamos qualquer problema. O chefe, Ralph Firman, teve de nos separar, cada um correndo no seu campeonato. (Quique)


Senna parte para briga e aperta o pescoço do rival  em um dos vários desentediamentos que os dois tiveram

De onde surgem os Ayrtons

Para termos um grande piloto como Ayrton, o mais importante é desenvolver a personalidade de um vencedor, de um grande competidor quando o garoto é jovem, dos 9 aos 13 anos. Não apenas a habilidade, mas o espírito e atitudes vencedoras. O desenvolvimento físico é muito importante, mas é preciso concentrar muito no aspecto mental do esporte. (Fullerton)

1º de maio de 1994


Senna perseguindo Sala na chuva, na adolescência, uma oportunidade rara de liderar o tricampeão

Estava velejando quando Ayrton morreu, naquele primeiro de maio. Me choquei com a morte, mas não o acidente. Pela postura dele, de sempre explorar o limite, a “carreira” dele não ia terminar de uma maneira normal. Não dava para esperar que ele “deixasse” as corridas simplesmente.(Sandro Sala)

A última vez que o encontrei em pessoa foi no Grande Prêmio de Phoenix, quando já tinha saído do automobilismo, em 1991. Como estava nos Estados Unidos, chamei Ayrton e Martin Brundle para almoçamos juntos. Foi nosso último contato pessoal em que falamos bastante de Fórmula 1, pois ele tinha sido campeão mundial. Acompanhei pela TV o acidente em 1994. Fiquei muito triste e abalado, pois tínhamos a mesma idade e via ele como um garoto de origens parecidas e o mesmo sonho. (Quique)

Toleman na chuva, o show em Mônaco


Isso não vai dar certo... E não deu, Senna travou rodas, e colidiu com Mansilla em Mallory Park

A corrida mais impressionante do Ayrton foi aquela de 1984 em Mônaco com a Toleman. Mostrou para todo mundo o que ele podia fazer, quem estava vindo ali. Ele foi fantástico também no ano seguinte em 1985, assim com em Donington 1993, tinha um controle do carro diferenciado na chuva.(Fullerton)

Rival assistia F-1 por causa de Senna

Eu não era um grande fã de Fórmula 1 naquela época, mas acompanhei muitos momentos do Ayrton, exatamente por ter sido meu adversário. (Fullerton)

Divisão dos garagistas e “patrocinados”


Senna atravessando à frente de Sala. Rivalidade que seguiu para Europa, ainda que em categorias diferentes

A gente se encontrou na Europa algumas vezes quando fui para lá. Ele acabou viajando dois anos antes e eu concorria era contra o Maurício Gugelmin (também piloto), que morava com o Ayrton e se tornou amigo. Ali tinha uma rivalidade emprestada, por competir contra o parceiro de residência, daí e a gente nunca trocou informações ou acabou tentando se ajudar. Sempre foi muito grande essa “disputa”.

Tinha uma certa divisão, pois eu e o Roberto Moreno fomos os únicos pilotos a irem para Europa sem apoio de qualquer patrocinador. A gente era da turma garagista, que dormia no fundo da oficina, enquanto o Senna e até o Piquet tiveram uma estrutura melhor. O Ayrton morava numa casa e tinha um carro para se locomover perto do autódromo. Eu morava longe de tudo e acompanhava sempre a equipe. (Sandro Sala)

A última confusão dos latinos

Um dia, em Brands Hatch pela Fórmula Ford, o Alfonso Toledano pressionava o Ayrton, que passava Alfonso e vinha para cima de mim (Mansilla), todos da mesma equipe destruindo seus carros. Enquanto isso, o inglês Rick Morris aguardava de camarote. Brigamos tanto que Morris passou. Quando ele subiu ao pódio declarou: “muito obrigado aos pilotos do Ralph Firman por me deixarem ganhar”. Ralph ficou furioso e nos deu o ultimato. “Ou correm de forma civilizada, ou mando os três embora”. (Quique)


 Cartaz promocional da prova que os latinos Senna e Mansilla "deixaram" o inglês Rick Morris ganhar


REFERÊNCIA

BERCHT, Bernardo. Rivais no Brasil e Europa analisam Ayrton Senna nos 21 anos da morte da lenda. Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/blogs/pitlane/?p=25919>. Acesso em: 10 de julho 2015.

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