Ao deixar Angra, naquele domingo de verão e do primeiro
encontro, minha alma era um grão de areia. Depois daqueles quatro dias de
idílio, ia voltar a minha praia. Trampo duro. Duas da tarde, desfile da griffe
Australian Downsound, no AeroAnta - que eu tinha de coordenar. Estilo som
reggae, moçada parafinada, meninas de penugens douradas nas pernas, calções
rasgadinhos de lado, camisetas estampadas, pranchas que sonhavam com os tubos
do Hawaii (pronunciava-se, na tribo, Rauai). Até o dia em que voei para
Angra, essa era, de certo modo, a minha tribo. Agora que eu voava de volta,
sentia que não pertencia mais a ela.
Os quarenta e pouco minutos de viagem no King Air dele, um
avião azul e branco que ficava permanentemente estacionado no aeroporto de
Angra, me pareceram milhares de horas. Olhava da janela, aflita:
- Será que verei isso de novo? Numa tradução mais
verdadeira: - Será que verei ele de novo?
A tal história da agenda lotada me atormentava. Mas outros
pensamentos vinham em meu socorro, esperançosos, e eu me apegava a eles: a
insistência dele para que eu ficasse até quarta-feira; os momentos de carinho
vividos intensamente; ele me levando de helicóptero até o aeroporto e se
despedindo com um prolongado beijo. As certezas brigavam, porém, com as dúvidas
e eu me debatia com aquele burocrático "a gente se vê" que ele me
disse, como despedida. "A gente se vê", eu remoía. "Ele não
teria uma frase menos óbvia para dizer?" O avião rompia a serra do Mar e
eu já não olhava para nada, tomada pelo pânico de ter vivido apenas o sonho de uma
noite de verão. Mas, aí, me lembrava daquela tarde em que ele me
seqüestrou para um passeio de jet-ski e foi se distanciando de todos, da
lancha, dos convidados, até que a gente aportou numa praia deserta e ele,
depois de me roubar um beijo, avançou:
- Tem duas coisas que eu ainda quero na vida. Uma delas
é fazer amor na praia. A outra... (pensei assim: correr na Ferrari, ser dono de
uma escuderia, morar em Portugal) ...a outra - continuou ele - é fazer amor na
praia com você.
Não rolou naquele dia. Mas, se eram as duas coisas que
queria mesmo fazer na vida, nós as realizamos juntos.
Não me arrependo de nada que fiz. Arrependo-me de coisas que
não fiz. Como não ter me jogado ao pescoço dele, depois da primeira madrugada
de amor, cobrir seu rosto de beijos e dizer, com todas as letras, o que se
passava no meu coração:
- Você me acendeu. Você é o homem da minha vida. Por pudor,
por medo do ridículo, receosa de desmoronar o encanto, eu me contive. Mas nem
preciso dizer como São Paulo e o trabalho me encontraram. A cabeça era uma
massaroca. "Se eu pudesse voltar atrás, não faria de novo" - era a
culpa que chegava. "Foi lindo, por que me culpar?" - eu me absolvia
no tribunal de minha consciência.
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