A Adriane Galisteu modelo, profissional da beleza, andava
meio avoada, esquecia os compromissos, a cabeça no ar. Tomava grandes broncas
da Ina, diretora da Elite e grande amiga. Mas eu não deixava de ter meus lampejos
de responsabilidade. O comercial do Halls tinha saído: cinco dias no Caribe,
embarque já naquela terça-feira, 20 de abril, dois dias depois do meu
aniversário. Sabe como faz um namorado típico? Ele pergunta: como é o filme?
Quem vai com você? Onde vão ficar todos? Pois é: o Béco perguntou, igualzinho.
E decretou:
- Levo você no aeroporto. Odeio aeroporto, mas vou com você.
Não queria deixar dúvida. Não tinha mais o menor receio em
se expor numa situação daquelas. E imaginem vocês a cena de um atleta consagrado
mundialmente, reconhecido e saudado por uma a uma das pessoas ali no
saguão de Cumbica, carregando pessoalmente a mala da mocinha ao lado.
Dirigiu-se ao balcão da companhia e fez o check in, diante do olhar embevecido
dos funcionários.
Mas um deles estranhou:
- Aruba? O vôo só sai daqui à uma da manhã.
A booker da Elite tinha me falado dez horas. Outra coisa não
combinava: era um vôo da Transbrasil, tinham me informado. O balcão da
Transbrasil desconhecia qualquer vôo para Aruba. Béco era descoladíssimo em
situações enroladas: despachou a mala e propôs um jantar de despedida. Chamou
um táxi e, para pasmo do motorista, perguntou se ele conhecia um restaurante
simpático ali por perto. O pasmo do motorista não era nada diante da reação do
dono do restaurante e da mulher dele. Não era possível acreditar que, àquela
hora da noite, numa insossa terça-feira, sem aviso e sem fanfarras, alojasse
ali numa de suas mesinhas de madeira e toalhas quadriculadas, o legendário
campeão.
Ele adora essas situações. É como se se visse de novo,
menino da Vila Maria, sonhando com o magnânimo filé com batata frita do
boteco da esquina. Fizemos nosso pedido: filé com batata frita. Mesmo
descontando a circunstância, o puro encanto que envolvia aquele encontro
romântico num cantinho obscuro de Guarulhos, juro que foi dos melhores que eu
comi na vida.
Voltamos sem pressa, mas o alto-falante do aeroporto estava
ligeiramente histérico:
- Atenção, senhorita Adriane Galisteu. A senhora está sendo
aguardada no balcão da companhia... (Não me lembro bem, só sei que não era a
Transbrasil.) Esta é a última chamada.
Como naqueles filmes de aeroporto, um homem e uma mulher
saíram em disparada até a outra ala. A equipe de filmagens, nervosa,
arquitetava as mais maliciosas interpretações para nosso ingênuo atraso. Pura
distração minha, típica daqueles dias de emoções nada brandas. Quem disse que
era Aruba? Era: Bahamas.
Mas cadê a mala? Estará, a essa hora, a caminho de Aruba?
- Esquece a mala, que eu me viro - acalmou-me Ayrton, senhor
da situação.
Novo check in, em velocidade de Fórmula l. Nova trombada:
Bahamas com escala em Miami. Falta o visto de entrada nos Estados Unidos. O
diretor do comercial se descabelou: meteu-se no tubo do avião, na base do
"deu, deu, não deu, não deu". Mas, como aqueles reis que curavam
tudo, Ayrton Senna me pôs no vôo e recomendou à produtora, que, essa sim,
ainda me esperara:
- Cuida dela, tá? Por mim.
Não teve um gesto de impaciência diante daquela namorada
trapalhona. Demos um beijão amoroso e ele foi tragado pelo mundaréu que já
se formava, indócil, em torno - implorando um toque no braço, um autógrafo para
o filhinho, uma palavrinha de atenção em troca da invariável introdução
"desculpa, mas sou seu fã..." Ayrton Senna é um rapaz reservado, às
vezes até "macambúzio" - era essa a expressão com que Nuno Cobra, seu
treinador, pegava no seu pé. Mas, justiça se faça: eu jamais o vi economizar
simpatia e gentileza com seus nem sempre recatados fãs. Por essas e por outras
é que ele é um ser humano tão especial.
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