sexta-feira, 7 de junho de 2013

CAMINHO DAS BORBOLETAS - Ayrton Senna, o romântico e atencioso namorado




A Adriane Galisteu modelo, profissional da beleza, andava meio avoada, esquecia os compromissos, a cabeça no ar. Tomava grandes broncas da Ina, diretora da Elite e grande amiga. Mas eu não deixava de ter meus lampejos de responsabilidade. O comercial do Halls tinha saído: cinco dias no Caribe, embarque já naquela terça-feira, 20 de abril, dois dias depois do meu aniversário. Sabe como faz um namorado típico? Ele pergunta: como é o  filme? Quem vai com você? Onde vão ficar todos? Pois é: o Béco perguntou, igualzinho. E decretou:
- Levo você no aeroporto. Odeio aeroporto, mas vou com você.
Não queria deixar dúvida. Não tinha mais o menor receio em se expor numa situação daquelas. E imaginem vocês a cena de um atleta consagrado mundialmente, reconhecido  e saudado por uma a uma das pessoas ali no saguão de Cumbica, carregando pessoalmente a mala da mocinha ao lado. Dirigiu-se ao balcão da companhia e fez o check in, diante do olhar embevecido dos funcionários.
Mas um deles estranhou:
- Aruba? O vôo só sai daqui à uma da manhã.
A booker da Elite tinha me falado dez horas. Outra coisa não combinava: era um vôo da Transbrasil, tinham me informado. O balcão da Transbrasil desconhecia qualquer vôo para Aruba. Béco era descoladíssimo em situações enroladas: despachou a mala e propôs um jantar de despedida. Chamou um táxi e, para pasmo do motorista, perguntou se ele conhecia um restaurante simpático ali por perto. O pasmo do motorista não era nada diante da reação do dono do restaurante e da mulher dele. Não era possível acreditar que, àquela hora da noite, numa insossa terça-feira, sem aviso e sem fanfarras, alojasse ali numa de suas mesinhas de madeira e toalhas quadriculadas, o legendário campeão.
Ele adora essas situações. É como se se visse de novo, menino da Vila Maria, sonhando com o magnânimo filé com batata frita do boteco da esquina. Fizemos nosso pedido: filé com batata frita. Mesmo descontando a circunstância, o puro encanto que envolvia aquele encontro romântico num cantinho obscuro de Guarulhos, juro que foi dos melhores que eu comi na vida.
Voltamos sem pressa, mas o alto-falante do aeroporto estava ligeiramente histérico:
- Atenção, senhorita Adriane Galisteu. A senhora está sendo aguardada no balcão da companhia... (Não me lembro bem, só sei que não era a Transbrasil.) Esta é  a última chamada.
Como naqueles filmes de aeroporto, um homem e uma mulher saíram em disparada até a outra ala. A equipe de filmagens, nervosa, arquitetava as mais maliciosas interpretações para nosso ingênuo atraso. Pura distração minha, típica daqueles dias de emoções nada brandas. Quem disse que era Aruba? Era: Bahamas.
Mas cadê a mala? Estará, a essa hora, a caminho de Aruba?
- Esquece a mala, que eu me viro - acalmou-me Ayrton, senhor da situação.
Novo check in, em velocidade de Fórmula l. Nova trombada: Bahamas com escala em Miami. Falta o visto de entrada nos Estados Unidos. O diretor do comercial se descabelou: meteu-se no tubo do avião, na base do "deu, deu, não deu, não deu". Mas, como aqueles reis que curavam tudo, Ayrton Senna me pôs no vôo e recomendou  à produtora, que, essa sim, ainda me esperara:
- Cuida dela, tá? Por mim.
Não teve um gesto de impaciência diante daquela namorada trapalhona. Demos um beijão amoroso e ele foi tragado pelo mundaréu que já se formava, indócil, em torno - implorando um toque no braço, um autógrafo para o filhinho, uma palavrinha de atenção em troca da invariável  introdução "desculpa, mas sou seu fã..." Ayrton Senna é um rapaz reservado, às vezes até "macambúzio" - era essa a expressão com que Nuno Cobra, seu treinador, pegava no seu pé. Mas, justiça se faça: eu jamais o vi economizar simpatia e gentileza com seus nem sempre recatados fãs. Por essas e por outras é que ele é um ser humano tão especial.


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